Com aproximadamente 100 mil estudantes e 7 mil professores, a rede estadual de ensino do Espírito Santo vem se adaptando gradativamente ao Novo Ensino Médio. Desde 2019, optou por iniciar os processos de implementação de mudanças nessa etapa de ensino focando em um processo de escuta e formação de alunos e professores que já dura mais de três anos.

Segundo Rosângela Vargas Davel Pinto, gerente de Ensino Médio na rede estadual do Espírito Santo, foi esse trabalho gradual que permitiu esclarecer a maior quantidade possível de dúvidas antes do início obrigatório previsto no cronograma do Ministério da Educação (MEC) para a implementação, que indica  que 2022 é o ano das mudanças no primeiro ano da etapa.

Escutamos diretores e professores nas 11 regionais do estado sobre as  escolhas mais certeiras. Assim, montamos uma arquitetura curricular que se inicia na 1ª série do Ensino Médio com a expansão da carga horária e aulas de componentes integradores, que incluem aulas eletivas, projeto de vida e estudo orientado, deixando o aprofundamento dos itinerários formativos para a 2ª série dessa etapa, que será iniciado em 2023. Esse planejamento gradativo é nosso grande diferencial”, explica.

O início se deu em 2019, com a ampliação da carga horária para um grupo de escolas-piloto e implementação de uma organização curricular seguindo os novos parâmetros do MEC. No ano seguinte, a expansão chegou às cidades da região de Grande Vitória. “Naquele tempo, corrigimos as rotas e identificamos o que não estava funcionando nas diretrizes. Em 2021, todas as escolas do estado iniciaram com o novo formato”, destaca Rosângela. 

O referencial curricular do Ensino Médio contou com a escrita coletiva de coordenadores e professores que atuam nas escolas e foi homologado em janeiro de 2021. “Esse processo participativo incluiu workshops com diretores de escolas, webinários, vídeo informativos para educadores, cards para as redes sociais, guias, catálogos e um fórum para informar os estudantes a respeito do Novo Ensino Médio e prepará-los gradativamente para as escolhas dos itinerários”.

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Organização dos componentes integradores no Espírito Santo

Com a homologação do referencial curricular, a rede estadual de ensino do Espírito Santo estipulou a expansão da carga horária para 1.000 horas ao ano em todas as escolas e para as três séries do Ensino Médio, alterando a organização da formação geral básica e inserindo as aulas dos chamados componentes integradores, que incluem aulas eletivas, projeto de vida e estudo orientado. 

Em razão da pandemia, em 2021 as aulas ocorreram no formato online e posteriormente híbrido, chegando ao atendimento 100% presencial no início do ano letivo de 2022. “Esse tempo nos ajudou a entender como se dá a organização da escola com mais carga horária, como proceder com os professores que atuam em mais de uma escola, como fica o horário de aula e a organização com outras etapas de ensino, tudo isso antes de iniciar os itinerários formativos, que começarão em 2023”.

Segundo a gerente de Ensino Médio, hoje as aulas eletivas são de autonomia de cada escola, que propõe a quantidade de acordo com o número de turmas. As unidades de ensino podem se basear em um catálogo oferecido pela rede ou criar suas próprias eletivas. “Elas são oferecidas para todos os alunos do ciclo e definidas na jornada de planejamento pedagógico do início do ano, com um determinado número de vagas e um movimento de divulgação entre os alunos, em uma espécie de feira de divulgação das eletivas”.

Rosângela conta ainda que a organização dessas eletivas exigiu diversas análises até que encontrassem um formato adequado. “Quando foram testadas nas escolas-piloto, elas duravam um semestre. Com essa experiência vimos que o formato não se adequava à organização dos tempos escolares, que na rede é trimestral, e mudamos. Este ano, contudo, com as atividades no espaço presencial, analisamos que teremos que reorganizar, porque três meses é pouco tempo para os alunos desenvolverem os temas propostos”. 

Já as aulas de projeto de vida são oferecidas desde 2015 nas escolas de tempo integral. “Isso também nos permitiu entender como seria o funcionamento gradativo nas escolas que atendem em tempo parcial. Hoje, assim como as eletivas, o projeto de vida tem uma carga horária de duas horas por semana e é dividido em três grandes eixos disparadores: o aluno entender de si, entender sobre o outro e à sua comunidade, e se colocar na sociedade e no mundo do trabalho”.

O componente de estudo orientado, por sua vez, é oferecido  uma vez por  semana e tem o objetivo de fomentar o autodidatismo, auxiliando o estudante a se preparar para avaliações, estudar um determinado componente curricular, fazer pesquisas, resumos ou iniciação científica, e para definir seus estudos com autogestão e organização do tempo. “O objetivo desses três eixos dos projetos integradores é que sirvam para fortalecer a formação geral básica, colaborando com a consolidação da aprendizagem”.

Nas escolas de tempo integral, os alunos contam também com práticas de vivência e protagonismo, que incluem a formação de clubes e tutorias, como destaca a gerente. “No tempo parcial também estamos desenvolvendo cadernos para a equipe gestora entender a importância de desenvolver o protagonismo dos alunos. Também fizemos um material para os alunos entenderem como ser mais protagonistas, seja na atuação junto ao conselho de líderes ou na formação de grêmios e coletivos. Atualmente estamos formando jovens acolhedores, como  são chamados os representantes e líderes de turma”.

Escolha antecipada dos itinerários formativos

Para organizar o percurso do estudante no Novo Ensino Médio, a rede capixaba iniciou em 2019 um processo de informação e consultas públicas, inicialmente sobre a formação geral básica e, em 2020, com consultas sobre os itinerários formativos, que reuniram mais de 5 mil contribuições. A leitura crítica da coleta foi realizada em parceria com o Instituto Reúna, que obteve olhares de especialistas, aprimorando ainda mais a escrita dos documentos norteadores.

“Concomitantemente, fizemos um amplo estudo da rede, mensurando os dados das escolas por município e criando as diretrizes do Novo Ensino Médio com critérios para definir quantos itinerários cada escola poderia ofertar e quais seriam oferecidos, levando em conta as escutas dos professores, dos estudantes e a análise da vocação da escola e da região. O cruzamento de dados feito na rede vai ajudar a evitar uma movimentação muito grande dos docentes entre as escolas”.

A partir das sugestões, as escolas puderam estabelecer seus itinerários em setembro de 2021, permitindo aos alunos que entrariam no 1º ano fazerem uma escolha inicial do seu aprofundamento para o itinerário formativo. “Para isso, contamos com um aplicativo construído em parceria com o Instituto Sonho Grande. Nele, os alunos responderam a um questionário de interesses e receberam um relatório ao final, adequado à linguagem dos jovens, identificando suas possíveis escolhas. Isso foi feito com a chamada pública de matrícula”. 

Na página, os estudantes identificaram seu município, viram as escolas disponíveis e, dentro de cada uma, as opções de itinerários formativos que serão ofertados em 2023. “A opção de deixar os alunos escolher um ano antes foi pensando no fato de que, se deixássemos para 2022, haveria pouco tempo de reflexão. Além disso, a escolha prévia facilita a preparação e organização da escola. Este ano eles podem consolidar as escolhas que fizeram no aplicativo e refletir sobre elas durante as aulas de projeto de vida, analisando eventuais necessidades de mudança. Ao final do ano letivo, as escolas terão de apontar, de fato, quantas turmas haverá em cada itinerário”.

Cada escola pode oferecer de dois a cinco itinerários, a depender de sua capacidade física e da lotação adequada das salas, definida por uma resolução estadual. “Ao todo, desenhamos dez possibilidades de aprofundamento com itinerários em formato modular e organizados a partir de quatro eixos: Investigação Científica, Processos Criativos, Mediação e Intervenção Sociocultural e Empreendedorismo”.

Dentro os dez aprofundamentos, o único que se diferencia dos demais é o itinerário técnico, oferecido atualmente em 129 unidades, com um total de 39 cursos ministrados por professores contratados de acordo com a demanda das áreas. “Esse foi o único itinerário que iniciamos em 2022, pois se diferencia dos demais. Todos os outros começarão em 2023”, aponta a gerente.

O processo de formação dos professores no Ensino Médio

Para garantir a atualização e a adaptação dos docentes ao Novo Ensino Médio, a rede capixaba dividiu o processo de formação continuada em três etapas. A primeira contemplou a formação nos componentes integradores, com destaque para o que aconteceria nas aulas eletivas, no estudo orientado e no projeto de vida. Em seguida, montou cursos sobre a formação geral básica do currículo, com formato autoinstrucional e a distância. “As atividades principais foram leitura e realização de atividades online. Também tivemos algumas lives síncronas e discussões com os colegas nas reuniões de planejamento, especialmente antes da pandemia e no retorno das aulas presenciais”.

na terceira etapa, a rede investiu na formação do currículo dos itinerários formativos e em formato híbrido. “Essa fase está em curso este ano, com um módulo único EAD para todos os docentes e organizado por áreas de conhecimento. Em seguida, faremos um encontro presencial com os coordenadores de área, que deverão repassar o conteúdo aos professores de suas escolas. Isso ocorrerá ao longo do segundo semestre, resultando na elaboração dos cadernos metodológicos para o desenvolvimento dos itinerários formativos”, afirma Rosângela.

Para Luana Paula Peixoto Aglio dos Passos, professora do Ensino Médio na EEEM Benício Gonçalves, em Vila Velha, as formações continuadas têm ajudado a compreender o formato definido para essa etapa, embora nem sempre todos os professores consigam realizar as atividades de forma plena e satisfatória, especialmente por conta da rotina diária. “Mesmo com muitas informações relevantes disponíveis na formação, ainda restam dúvidas no momento da prática pedagógica. Os maiores desafios são o tempo disponível para formação dos professores e, principalmente, a existência de dois currículos concomitantes e que precisam convergir para atender questões como avaliações externas e projetos pedagógicos”. 

Nesse sentido, diz Luana, o professor precisa dar conta das turmas que iniciaram seus estudos antes da implementação do Novo Ensino Médio, e também das que estão iniciando nesse novo formato. “É desafiador o desencontro entre esses currículos e o que está contido nos livros didáticos que recebemos na escola. Com todo esse cenário, é um grande desafio articular de forma interdisciplinar e integrada todas as práticas pedagógicas”.  

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Os desafios da implementação do Novo Ensino Médio Capixaba

Mesmo com uma ampla divulgação, a rede estadual ainda enfrenta momentos de baixa adesão ou desistência nas formações EAD e credita o problema ao excesso de atividades online que dominou a rotina dos educadores após o início da pandemia. “No começo, foi desafiador desenhar um conteúdo autoinstrucional para um tema tão denso e novo, e fazer com que o maior número possível de professores se sentissem interessados em desmistificar as críticas em relação à mudança. Acredito que saberemos se vai dar certo ou não depois de implementado de fato, pois tudo o que é novo gera estranhamento”, ressalta Rosângela Vargas.

Ela afirma ainda que outro grande desafio enfrentado pela rede de ensino foi organizar as rotas de transporte escolar, que são compartilhadas com as redes municipais. “Precisou haver um alinhamento e um diálogo com todos os prefeitos e secretários de educação. Também precisamos identificar um modo de alterar menos com a rotina dos professores e, ainda assim, manter a articulação com a escolha dos alunos. Foi um trabalho exaustivo, de muito estudo e pensar”, relembra. 

Para a professora Luana, além dos desafios elencados pela gerente, as escolas ainda precisam rever e refletir com os estudantes e professores as diretrizes e demais aspectos do Novo Ensino Médio, mostrando a importância dos componentes integradores, além de familiarizá-los com os novos aspectos curriculares. “Os estudantes e os familiares ainda estão acostumados com os modelos pedagógicos anteriores e com dúvidas sobre como esse formato novo irá de fato funcionar. Nesse sentido, há uma percepção da diminuição de conteúdos, pois, nesse primeiro momento, a implementação conta com 800 horas de BNCC e 200 horas para componentes integradores, mas os conteúdos que não estão contemplados nas primeiras séries dessa etapa podem vir a constar nos outros componentes nas séries seguintes, ainda que não tenham sido implementados”.

Segundo Rosângela, o segundo semestre de 2022 será uma etapa de novas reflexões para análise do que precisará mudar em 2023. “Acredito que teremos uma leitura mais completa no final do ano que vem, porque poderemos ter um feedback real quando todos estiverem dentro da rotina dos itinerários formativos, conhecendo melhor as opções de formação e os futuros caminhos para o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), que ainda gera muitas dúvidas para os alunos”, conclui.

Crédito das fotos: Thiago Coutinho/SeduES