A educação socioemocional vem sendo debatida no Brasil há mais de uma década, mas foi com a BNCC (Base Nacional Comum Curricular) que ganhou mais destaque junto às escolas e redes de ensino. Ao determinar que a escola é um espaço de desenvolvimento de competências, o documento norteador indica que a educação deve promover a “mobilização de conhecimentos (conceitos e procedimentos), habilidades (práticas, cognitivas e socioemocionais), atitudes e valores para resolver demandas complexas da vida cotidiana, do pleno exercício da cidadania e do mundo do trabalho”.

Nesse sentido, o documento traz, pela primeira vez, o termo difundido em outras partes do mundo  para dentro dos referenciais de organização curricular nacionais. E para que todas as escolas garantam oportunidades pedagógicas para o desenvolvimento pleno dos estudantes, a BNCC estabeleceu um conjunto de dez competências gerais que expressam diversas dimensões e explicitam o propósito de uma educação que articule os conhecimentos dos conteúdos com o desenvolvimento de competências importantes para a vida.

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Em seu texto inicial, a BNCC justifica essa abordagem do seguinte modo:

“No novo cenário mundial, reconhecer-se em seu contexto histórico e cultural, comunicar-se, ser criativo, analítico-crítico, participativo, aberto ao novo, colaborativo, resiliente, produtivo e responsável requer muito mais do que o acúmulo de informações. Requer o desenvolvimento de competências para aprender a aprender, saber lidar com a informação cada vez mais disponível, atuar com discernimento e responsabilidade nos contextos das culturas digitais, aplicar conhecimentos para resolver problemas, ter autonomia para tomar decisões, ser proativo para identificar os dados de uma situação e buscar soluções, conviver e aprender com as diferenças e as diversidades”.

Assim, com base na BNCC – homologada em 2017 para a Educação Infantil e o Ensino Fundamental e em 2018 para o Ensino Médio -, todas as escolas do Brasil passaram a ter a necessidade de contemplar as habilidades socioemocionais em seus currículos.

Quais as origens da abordagem de educação socioemocional na BNCC?

Diante dessa demanda, precisamos conhecer mais sobre a educação socioemocional (Social Emotional Learning – SEL, na sigla em inglês). O campo de estudos dessas habilidades está baseado na neurociência, na ciência da aprendizagem, na psicologia e também na pedagogia. 

“É um campo de conhecimento que vem descobrindo constantemente formas de aplicar essas competências. Também é uma forma importante de desenvolvimento de políticas públicas e sociais. Nesse sentido, a coerência entre a BNCC da Educação Infantil, do Ensino Fundamental e Ensino Médio é dada pelas competências gerais, que tratam, por sua vez, de competências socioemocionais, interpessoais, intrapessoais e de autoconhecimento”, explica Letícia Lyle, pesquisadora do tema e atualmente diretora da Camino School, em São Paulo.

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Letícia ressalta que a BNCC não traz especificações explícitas de como a educação socioemocional deve ser desenvolvida na prática, ficando a critério de cada rede de ensino ou escola definir as fontes usadas para que seja desenvolvido no conteúdo programático, mas sempre atendendo às dez competências gerais. “Há muitas formas eficazes de trabalhar as habilidades socioemocionais, seja pela formação de professores, por meio da gestão escolar, por práticas de integração da comunidade escolar, com materiais e programas de intervenção específicos ou na integração curricular. E, quando combinadas, elas são ainda mais eficazes”.

Existem diferentes estudos e práticas internacionais voltadas ao trabalho com competências socioemocionais (por exemplo: OCDE, Casel, Wida, Big Five, Center for Curriculum Redesign, dentre outros). Além do estudo e disseminação do conhecimento, diferentes avaliações em grande escala contemplam as competências socioemocionais, como o PISA (Programme for International Student Assessment) e o ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio).

O grande desafio que se configura para as escolas, portanto, é investir nas competências cognitivas/acadêmicas e também nas competências socioemocionais, que beneficiam o aluno não apenas no desenvolvimento nesse âmbito, mas também no desempenho escolar de modo geral e na manutenção de uma sociedade colaborativa.

Nesse sentido, a educação socioemocional refere-se ao processo de entendimento e manejo das emoções, com empatia e tomada de decisão responsável. E para que seja trabalhada no contexto escolar do aluno do século XXI, a BNCC aponta que esteja presente nos  referenciais curriculares alinhados ao documento. 

Aplicações práticas da educação socioemocional com educadores

No âmbito de formação e desenvolvimento socioemocional de educadores, um destaque de boa prática é o programa de Liderança Educacional, da rede municipal de ensino de Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo. Segundo José Henrique Porto, formador do programa junto à rede, o trabalho com educadores parte do princípio de que o professor apenas irá conduzir os alunos à dimensão socioemocional, com mais capacidade empática e resiliência, se ele for a referência. “Não adianta a gente introduzir materiais e palestras se isso não é um valor do processo de formação do professor”, ressalta.

O programa foi iniciado em 2021, com adesão voluntária e o objetivo de formar uma liderança ao mesmo tempo inspiradora e sensível à necessidade de celeridade das medidas de retorno escolar após o período de isolamento da pandemia. “Criamos um processo de formação com diretores, vice-diretores, supervisores e coordenadores, para que eles pudessem atuar junto aos professores com esse senso de propósito, especialmente no contexto pandêmico”.

Assim, o programa destacou, dentro das competências da BNCC, o autoconhecimento, com enfoque para lideranças educacionais. Esse escopo foi traduzido em práticas e ferramentas para os gestores e, em 2022, chegou para os professores, também de modo voluntário com cursos complementares. “São ferramentas práticas para serem usadas nas escolas durante o retorno presencial e que podem, em um segundo momento, ser utilizadas em sala de aula. Isso vem acontecendo sem deixar de lado a prioridade número um da rede que é a recomposição das aprendizagens e defasagens causadas pela pandemia”, completa Porto.

O que diferencia a educação socioemocional em cada etapa de ensino?

Como citado anteriormente, a coerência da BNCC em relação à educação socioemocional é trazida pelas dez competências gerais, que permeiam todo o ciclo de ensino da Educação Básica. E é importante observar que o desenvolvimento destas competências se dá ao longo da vida, a partir da interação de características biológicas e características ambientais por meio de experiências formais e informais de aprendizagem. Ao praticar essas competências, os estudantes podem se desenvolver com mais autonomia e protagonismo diante dos diversos desafios da contemporaneidade, além de estarem associadas a melhores indicadores de bem-estar, desempenho escolar, empregabilidade, remuneração, adaptação ao cotidiano e a novas situações, entre outros.

Há de se compreender ainda a complexidade e a não linearidade desse desenvolvimento. A educação integral diz respeito a acolher e reconhecer as singularidades e as diversidades dos estudantes, de modo que cada um possa estar em um momento de desenvolvimento. É preciso conhecer os desafios e as demandas de cada etapa da vida, para que o fortalecimento socioemocional se dê naquilo que o estudante mais precisa na etapa que vive, e promover intervenções que dialoguem com o momento e com o que o mundo está exigindo dele em cada fase.

“O mais importante é ter consciência de que desenvolver competências socioemocionais é algo que nunca atinge um objetivo final. O indivíduo vai continuar sempre se desenvolvendo e, a cada situação nova, aplica essas habilidades. Ser competente socioemocionalmente hoje não significa que amanhã o será também, mas desenvolver essas habilidades constantemente ajuda a estar mais preparado para determinadas situações da vida pessoal e coletiva”, aponta Letícia Lyle.

De acordo com Roberto Campos de Lima, vice presidente de Relações Institucionais e Expansão do Instituto Ayrton Senna, estudos demonstraram que as competências socioemocionais são tão importantes quanto às competências cognitivas, híbridas, volitivas e outras dimensões da vida para obtenção das inúmeras conquistas, nas diferentes esferas. “Pessoas com competências socioemocionais mais desenvolvidas apresentam maior facilidade para aprender novos conhecimentos, autoconhecer-se e conviver em sociedade, além de experienciar situações de forma mais positiva”.

Ele ressalta ainda que em cada competência geral é possível identificar competências cognitivas, competências socioemocionais, híbridas e volitivas em alinhamento aos princípios éticos, democráticos e estéticos. “São, portanto, competências complexas, que abordam a formação humana do estudante de modo articulado ao cenário mundial e suas questões contemporâneas”, destaca.

Como o Projeto de Vida dialoga com as habilidades socioemocionais 

O Projeto de Vida estipulado pela BNCC é caminho importante para o estudante se autoconhecer, identificar metas e objetivos de vida nas dimensões pessoal, acadêmica, profissional e cidadã. É também uma forma de desenvolver todas as competências gerais, incluindo as socioemocionais, em uma referência contextualizada e tangível para o estudante, com grande impacto especialmente para jovens dos Anos Finais  do Ensino Fundamental e do Ensino Médio, que precisam se planejar para a vida após a educação básica. 

Para muitas escolas e redes de ensino, o enfoque no Projeto de Vida tem sido uma ferramenta para abordar as competências socioemocionais, pois permite que os estudantes associem as suas aprendizagens nos componentes curriculares com seus planos e sonhos. “Esse processo pode ocorrer tanto no componente curricular Projeto de Vida quanto nas situações que é incorporado a outros componentes”, ressalta Roberto Campos de Lima.

Nesse sentido, através do autoconhecimento, o estudante pode refletir sobre sua identidade, com o que se identifica enquanto sujeito, seu histórico familiar, anseios e experiências pessoais. Além disso, pode compreender melhor sua relação com a comunidade: família, bairro, cidade, e quais os problemas dessa vida coletiva que quer ajudar a resolver. A partir do 9º ano do Ensino Fundamental, o estudante poderá refletir mais profundamente sobre os seus interesses profissionais, o que gostaria de buscar como carreira, e assim, escolher o seu itinerário formativo do Ensino Médio.

Aplicações práticas da educação socioemocional com estudantes

Como mencionado por Letícia Lyle, a aplicação da educação socioemocional é ampla e permite que esteja presente tanto nas relações e programas desenvolvidos para uso com alunos na sala de aula quanto na formação de professores e gestores.

O Instituto Ayrton Senna, por exemplo, vem desenvolvendo, assim como outras organizações do terceiro setor, parcerias com redes de ensino para a prática das habilidades socioemocionais. O programa Diálogos Socioemocionais é uma destas iniciativas, fundamentada em metodologias ativas que estruturam ações para o desenvolvimento das competências socioemocionais de estudantes dos Anos finais do Ensino Fundamental e Ensino Médio de modo sequencial, ativo, focado e explícito. 

Outra iniciativa do Instituto é a Plataforma Humane, que disponibiliza um instrumento para fortalecimento de competências socioemocionais dos professores. A plataforma é gratuita e a formação é autoinstrucional. Através da ferramenta, os educadores têm acesso a um diagnóstico, uma formação online e um plano de desenvolvimento individual voltado ao aspecto socioemocional.

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