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Educação Antirracista: Espírito Santo investe em materiais sobre relações étnico-raciais

Boas práticas
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As relações étnico-raciais ganharam espaço no currículo das redes de ensino há 20 anos com a implementação da lei 10.639/2003 e, posteriormente, com a lei 11.645/2008. Elas instituíram a obrigatoriedade do ensino de história e cultura afro-brasileira e indígena nas escolas do país. Mesmo com duas décadas de existência, o tema ainda é um desafio prático para as redes de ensino. Diante disso, a partir de 2019, a educação antirracista ganhou destaque e o Espírito Santo investiu em frentes de trabalho em equidade racial para institucionalizar o tema.  

Primeiro, a secretaria estadual de educação decidiu entender o problema. Para isso, fez uma escuta com 2 mil professores da rede por meio de um formulário online. Entre os objetivos, mapear as lacunas no currículo e na prática pedagógica. 

No levantamento, dois pontos críticos foram indicados pelos participantes: a formação dos profissionais e a construção de novos materiais para ampliação de repertório. Foi nesse contexto que o Caderno Orientador para a Educação das Relações Étnico-Raciais foi criado. “É um material de apoio pedagógico para tirar as diretrizes e marcos legais do papel. Queremos dar uma resposta sobre como podemos enfrentar o racismo”, explica Valquiria Santos Silva, gerente de Educação do Campo, Indígena e Quilombola. O material, lançado neste ano, integra o Programa de Educação para Relações Étnico-Raciais.

Professores e gestores da própria rede elaboraram os textos, garantindo a identidade regional. “Achamos muito importante que os profissionais consigam se identificar com o material para que estejam mais sensíveis à atuação da temática”, aponta Valquiria. O resultado foi um caderno que apresenta possibilidades de trabalho para todas as áreas do conhecimento, além de trazer recomendações para gestores e outros profissionais da escola, cobrindo todas as etapas e modalidades da Educação Básica. 

Experiência na escola

Karlla Trindade, diretora do Centro Estadual de Ensino Fundamental e Médio de Tempo Integral Joaquim Beato, na cidade de Serra (ES), diz que a perspectiva de sala de aula faz diferença para quem recebe o material. “As pessoas que escreveram estão nas escolas com a gente, e têm as vivências do nosso lugar”, valoriza. Para além das orientações que englobam todos os atores escolares, a diretora destaca os estudos de caso apresentados no Caderno. “Os casos ajudam a enfrentar o maior desafio para a Educação antirracista: a negação. Os casos reais de racismo nos fazem enxergar situações que acontecem na escola, em que as pessoas se reconhecem. Percebemos que o racismo não é mentira: é real e acontece todos os dias”. 

Karlla, uma mulher negra, vive o racismo que tenta combater em diferentes espaços – inclusive no trabalho. “Eu já ouvi várias insinuações sobre se eu teria competência para um cargo de gestão escolar”, desabafa. Mesmo sua escola estando em um bairro de vulnerabilidade social e com população majoritariamente preta, o preconceito ainda é presente no território. “É como se houvesse uma identificação e ao mesmo tempo uma repulsa. A rejeição vem por achar que somos parecidos — a pele, o cabelo trançado rastafari — e disso surge o questionamento: será que ela tem capacidade para ser diretora?”. Ela destaca a importância do caderno considerando a urgência do tema, do papel estratégico da escola na sociedade e pelo fato de que gerações anteriores não tiveram contato com o tema em sua formação. 

Por isso, Karlla acredita que os profissionais precisam ser não só formados e qualificados para lidar com o tema, mas também transformados por ele. “Não é algo que dá pra fazer num só dia. A sensibilização é contínua e, na nossa escola, fazemos quinzenalmente ou sempre que temos uma oportunidade de trabalhar o assunto”, relata. 

Disseminação do material e da educação antirracista no Espírito Santo

Todas as escolas da rede estadual já receberam o caderno impresso e seus gestores passaram por uma formação para atuar a partir dos materiais e da temática. Para fortalecer o trabalho em educação antirracista em todo o Espírito Santo, o estado também planeja expandir a formação dos materiais para as escolas das redes municipais.  O caderno impresso foi distribuído apenas nas escolas estaduais, mas a íntegra está disponível online para qualquer pessoa ou instituição (acesse neste link). 

Além de ter a equipe gestora capacitada, a secretaria tem o objetivo de que todas as escolas desdobrem estratégias de enfrentamento ao racismo em seus planos de ação em todo o ano letivo. “Para além das atividades relacionadas às datas comemorativas, é preciso termos estratégias pedagógicas de enfrentamento ao racismo alinhadas aos resultados de aprendizagem”, diz Valquiria.

A gerente também aponta que é importante a racialização dos dados para a rede identificar o desempenho dos alunos negros e continuar promovendo ações para o fortalecimento do currículo e da aprendizagem. “Tendo o racismo como fator social que exclui os estudantes negros de uma rede de oportunidades, também nos preocupamos em melhorar a aprendizagem deste grupo”, destaca ela. Para Valquiria, o caderno fortalece o papel do currículo para a desconstrução do racismo.

“Nós estamos começando a caminhar 20 anos depois da implementação da lei”, avalia a diretora Karlla. “Se tivesse sido feito um trabalho realmente efetivo há 20 anos, não estaríamos passando por esse enfrentamento que ainda vivemos hoje em dia”.

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