Por Ângelo Xavier, presidente da Associação Brasileira de Editores e Produtores de Conteúdo e Tecnologia Educacional (Abrelivros) e Silvia Panazzo, diretora presidente da Associação Brasileira dos Autores de Livros Educativos (Abrale)
O Ensino Médio é hoje o maior desafio na Educação Básica do Brasil. Mais da metade da população com 25 anos ou mais – 70 milhões de pessoas – não concluiu esta fase. E cerca de 30% dos jovens de 15 a 17 anos não estão no Ensino Médio, bem acima dos 15% máximos estabelecido pelo Plano Nacional de Educação (PNE). Trata-se de um problema estrutural, que atinge geração após geração e não pode mais ser relegado.
Previsto no Plano Nacional de Educação de 2014, o novo Ensino Médio surgiu a partir de mudanças recentes na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), das novas Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (DCNEM) e da elaboração da parte para o Ensino Médio da Base Nacional Comum Curricular (BNCC). A sua implantação efetiva, no entanto, ainda depende da edificação de três pilares igualmente importantes: investimento contínuo na formação de professores para o trabalho interdisciplinar, materiais didáticos concebidos a partir dos novos contornos do Ensino Médio e mudanças nas matrizes de avaliação, com a reformulação do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM).
No último mês de março, mais um passo importante neste processo de mudança foi dado: cerca de 20 mil escolas públicas de todo o país tiveram a possibilidade de escolher os materiais didáticos de transição para o novo Ensino Médio, que serão adotados já no segundo semestre. Trata-se das obras do chamado Objeto 1 do edital de 2021 do Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD), um dos maiores do mundo. Somente em 2020, o PNLD distribuiu mais de 170 milhões de exemplares a escolas públicas, beneficiando mais de 30 milhões de alunos da Educação Básica.
As obras são ferramentas de apoio ao processo de ensino-aprendizagem com recursos para práticas docentes que proporcionam maior engajamento, autonomia e protagonismo dos estudantes na construção dos saberes. Os novos materiais trazem abordagens conceituais e metodológicas que contribuem para estabelecer um processo mais dinâmico e participativo, com propostas e encaminhamentos para superar o paradigma da aula centrada apenas na exposição do professor. Entre seus focos estão o pensamento crítico-reflexivo, a proposição dos estudantes vivenciarem a investigação científica e a possibilidade de aplicação dos saberes em suas realidades, por meio da valorização das culturas juvenis. Coloca-se, portanto, o estudante para refletir e atuar em seu projeto de vida.
As cinco obras do Objeto 1 do PNLD 2021 escolhidas agora – quatro de Projetos Integradores e uma de Projeto de Vida – são complementares ao trabalho feito atualmente e introduzem uma nova maneira de atuação em sala de aula, sem a necessidade de abrir mão imediatamente dos livros didáticos disciplinares existentes. É a oportunidade para professores se adaptarem aos novos materiais didáticos que chegarão às escolas em 2022, passando a trabalhar de maneira interdisciplinar com outros docentes.
Ao todo, serão 24 projetos para os 3 anos do Ensino Médio, divididos nas quatro Áreas do Conhecimento: Linguagens e suas Tecnologias; Matemática e suas Tecnologias; Ciências da Natureza e suas Tecnologias; e Ciências Humanas e Sociais Aplicadas. Além da obra de Projeto de Vida, que trabalha de forma transversal competências socioemocionais como autoconhecimento, criatividade, comunicação, empatia e cooperação.
A discussão em torno de se trabalhar por projetos, base dos Projetos Integradores, veio a público ainda nos anos 1930, com o movimento da Escola Nova. Nas últimas duas décadas, no entanto, intensificaram-se as pesquisas no campo da pedagogia, da psicologia cognitiva e da neurociência, as quais evidenciaram a importância das metodologias ativas para as aprendizagens. Embora em variados contextos educacionais tais metodologias venham ganhando espaço, ainda se faz necessário avançar visando consolidar este paradigma nas práticas docentes nas redes privada e pública, lembrando que esta última hoje concentra 6,26 milhões das matrículas de alunos de Ensino Médio do país (83,9% do total), segundo dados do Censo da Educação Básica de 2019, do Ministério da Educação (MEC).
Em um momento de quebra de paradigma como esse, é preciso ainda acolher as angústias e dúvidas dos docentes. Neste sentido, os manuais do professor são uma importante – mas não única – ferramenta de apoio a essa nova forma de trabalhar. O desafio de atuação conjunta que se coloca à categoria também se estendeu ao processo de desenvolvimento das obras de transição. Cerca de 150 autores participaram da produção dos materiais, dentro de um cenário de enorme renovação autoral. Tudo isso só foi possível graças a uma indústria nacional que dispõe de um corpo de editores e autores capaz de atender à reforma de maneira célere e competente.
A mudança em curso, que avançou com a escolha das obras de transição, é um convite para todos os atores da educação repensarem seu lugar no processo de ensino e aprendizagem – professores, diretores de escola, alunos, editores, autores, gestores públicos.
Em relação ao currículo vivo da sala de aula, os Projetos Integradores e de Vida materializam o ingresso de estudantes e docentes no novo Ensino Médio. No entanto, para essa inovação alcançar os resultados qualitativos pretendidos há que se garantir suporte adequado aos professores, além do fomento ao trabalho coletivo e colaborativo da equipe pedagógica. Paralelamente à adoção dos novos materiais didáticos é fundamental que as escolas, por meio de seus gestores, concretizem as condições de sua implantação.
Estamos diante de um grande desafio, mas necessário, sob risco de ampliar ainda mais as desigualdades existentes na educação brasileira.