Por Miguel Thompson, professor de História e Diretor Acadêmico na Fundação Santillana e membro do Movimento Pela Base

Os primeiros processos de aprendizado vieram a partir de narrativas tribais. As contações de histórias, os relatos de acontecimentos ou as descrições de eventos fantásticos eram fontes de informação e aprendizado. Homero e Hesíodo com o pensamento mítico e os trovadores medievais e os pajés em seus clãs instruíam suas comunidades por meio de descrições, histórias e fábulas.

A partir da Idade Moderna, por volta de 1450, um novo modelo de organizar o conhecimento começou a surgir.  Podemos referenciar essa transformação no romance Dom Quixote de La Mancha, de Miguel de Cervantes (1547-1616). Os diálogos entre Dom Quixote e seu amigo Sancho Pança apresentam a dicotomia entre a narrativa fantástica do cavaleiro andante, típico dos contadores de história medievais, e o mundo racional e ordenado da modernidade.
Com o advento da Ciência, propagado na figura de Francis Bacon (1561-1626), uma nova maneira de produzir conhecimento foi se estabelecendo, partindo de uma visão mais ordenada e estável de produzir o saber. Foi no Iluminismo (séculos 17 e 18) que surgiram as bases referentes à maneira como produzimos o conhecimento, as quais permanecem até os dias de hoje. A corrente editorial iluminista, o Enciclopedismo, introduziu os catálogos, a lista de conteúdos e a ordenação do conhecimento. A memória passou a predominar, colocando a narrativa em segundo plano no processo educacional. 

A popularização da prensa de Gutemberg disseminou a concepção de catálogos, listas e conceitos. Todo século 19 desenvolveu o conhecimento partindo da classificação e da criação de disciplinas, como a Biologia, a Química e a Sociologia. Estava estabelecida a estrutura da escola contemporânea. O movimento positivista sacramentou a ideia do conhecimento objetivo. Dentro deste contexto, a fragmentação disciplinar e a hiperespecialização passaram a orientar o currículo. No entanto, no início do século 20, a escola de Frankfurt, um movimento filosófico, passou a questionar a forma fragmentada com que o conhecimento era produzido. Após o lançamento da bomba atômica é que tangibilizou-se uma transformação da sociedade impulsionando múltiplos movimentos socioculturais, como o pacifismo, o movimento gay, o movimento negro, o feminismo entre outros. Além disso, outras mudanças também contribuíram para o aumento da complexidade, como a sociedade de consumo e o mundo do trabalho. 

A partir dos anos 50, cresce a proposta de trabalhar habilidades, sistematizadas na Taxonomia de Bloom (1956), estimulando o pensar e o agir como um dos mais importantes agentes do aprendizado somados aos conceitos e definições. Correntes de currículos interdisciplinares surgem nas escolas de vanguarda principalmente a partir dos anos 60 e 70. No começo dos anos 2000 surge, no Brasil, a proposta dos Parâmetros Curriculares Nacionais, trazendo fortemente a ideia de competências para o Ensino Médio. 

Quase vinte anos depois, é lançada a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), como uma força política e educacional nunca antes vista. O documento contempla uma série de conceitos e práticas educacionais que visam uma adequação mais efetiva da escola ao mundo contemporâneo. A BNCC e a reforma do Ensino Médio trazem de maneira mais robusta conceitos e propostas práticas educacionais que ampliam os conceitos de competências, habilidades, formação integral, áreas, itinerários formativos e projetos de vida que favorecem a autonomia dos estudantes e dos professores. Mais do que preparar para o vestibular, a proposição é oferecer uma formação humanista e profissional que coloque o jovem em consonância com o mundo contemporâneo.

A intenção não é focar só nos aspectos cognitivos expressos nos conceitos, habilidades e competências, mas abordar também aspectos econômicos e socioculturais, como a desigualdade, a diversidade, o multiculturalismo, os contextos locais e globais e as discussões políticas e éticas imersas nesses contextos. Esses aspectos se expressam nas dez Competências Gerais da BNCC , elementos estruturantes que pela sua concisão e simplicidade devem ser estudados e expandidos por todos os educadores.

O trabalho com temas, soluções de problemas e cases vão orientando a formação dos estudantes. O desejo dos jovens e a formação de professores são colocados no centro do processo em uma concepção menos transmissiva e mais orientadora. As narrativas voltam fortemente ao processo educativo. Modelos ativos, ensino híbrido e novas possibilidades didáticas surgem. 

 A elaboração dos currículos estaduais no Ensino Fundamental foi um formidável esforço técnico e político visto em nossa estrutura administrativa. Em plena pandemia, há uma intensa movimentação em torno da BNCC e do Novo Ensino Médio. Undime, Consed, Terceiro Setor, a comunidade educacional e sociedade se movimentam para a consolidação dos currículos, tanto na formação inicial, nas secretarias da educação, em escolas particulares, nos municípios e em consórcios municipais.

 No entanto, temos que entender o tamanho do desafio, pois há uma mudança radical de paradigma em curso. Do modelo centrado na exposição dos conceitos para um modelo de aprendizado focado no aprendiz e na coletividade. O processo histórico apresentado nesse texto tem o sentido de demonstrar que as transformações muitas vezes são lentas. Por uma série de fatores emergentes há uma grande oportunidade de promovermos rapidamente uma transformação no processo educativo, efetivo e duradouro. A hora é agora!

 

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