Por Mozart Neves Ramos, titular da Cátedra Sérgio Henrique Ferreira da USP-Ribeirão Preto e membro do Conselho Nacional de Educação

A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) trouxe um novo alento para a educação brasileira, ao definir dez Competências Gerais que representam um conjunto de conhecimentos, habilidades, valores e atitudes que buscam promover o desenvolvimento pleno dos estudantes em todas as suas dimensões: intelectual, física, social, emocional e cultural, em conformidade com o Artigo 205 da Constituição Federal e o Artigo 2 da Lei de Diretrizes e Bases (LDB). Pela primeira vez na história, o Brasil logrou construir consensos nacionais sobre as aprendizagens essenciais que são consideradas direito de todos os estudantes – e que, portanto, devem ser asseguradas ao longo de todas as etapas e modalidades da Educação Básica. 

Para tornar efetivas tais Competências Gerais, os professores devem, por sua vez, desenvolver um conjunto de competências profissionais que os qualifiquem para colocá-las em prática, bem como as aprendizagens essenciais previstas na BNCC, na perspectiva de oferecer uma educação integral para todos os estudantes, visando não apenas a superar a vigente desigualdade educacional, mas a assegurar uma educação de qualidade para todas as identidades da população brasileira. Assim, é imperativo inserir o tema da formação profissional para a docência no contexto de mudança que a implementação da BNCC desencadeia na Educação Básica.  

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Foi a partir desse prisma que o Conselho Nacional de Educação (CNE) entendeu que seria necessário estabelecer novas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) e uma Base Nacional Comum (BNC) para a Formação Inicial e Continuada de Professores da Educação Básica. Isso foi efetivado mediante a Resolução CNE/CP n° 2/2019 para a formação inicial, enquanto a Resolução CNE/CP n° 1/2020 trata da formação continuada.

A BNC/Formação, tanto inicial como continuada, traz as competências profissionais que todos os docentes devem desenvolver para tornarem-se capazes de colocar em prática não só as dez Competências Gerais da BNCC, como as aprendizagens essenciais a serem garantidas a todos os estudantes. Tais competências profissionais docentes, por sua vez, são acompanhadas por um conjunto de competências e habilidades específicas estruturadas em três grandes dimensões: conhecimento, prática e engajamento profissionais.

Nesse novo cenário da formação docente também se recomendou a institucionalização de unidades integradas de formação de professores, para interligar os docentes da instituição formadora e os professores das redes de ensino, promovendo uma ponte orgânica entre o Ensino Superior e a Educação Básica.

Para colocar em prática as novas DCNs e a BNC/Formação será preciso ainda muito esforço, especialmente do Ministério da Educação, incluindo não só uma articulação profícua entre as suas secretarias vinculadas ao campo da formação docente, mas também a outros órgãos. Entre eles a Capes, por ter uma diretoria diretamente responsável pela formação de professores, e o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), que terá a responsabilidade de elaborar não só um instrumento de avaliação in loco dos cursos de formação de professores como também um novo formato avaliador do Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade) para tais cursos de formação, ambos em consonância com o que dispõe a Resolução CNE/CP n° 2/2019.

O CNE, por sua vez, precisa adequar algumas de suas atuais resoluções vinculadas aos cursos de licenciatura, especialmente aquela vinculada aos cursos de pedagogia. Isso já está em andamento. Terá também o papel de colaborar com a implementação de tais resoluções junto ao Ministério da Educação. Nesse sentido, é importante ressaltar que a Secretaria de Educação Básica (SEB/MEC) já iniciou a elaboração de um edital para estimular as instituições de Ensino Superior a se adequarem à Resolução no 2/19 do CNE. 

Creio que essa será uma grande oportunidade para as universidades repensarem os atuais cursos de licenciatura, quebrarem a atual fragmentação curricular que compromete fortemente a articulação da formação teórica e prática da formação docente, e buscarem mecanismos que permitam a construção de uma real integração com a Educação Básica. Particularmente, como ex-reitor por oito anos de uma grande universidade pública como a Federal de Pernambuco (UFPE) e ex-presidente das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), penso que é chegada a hora, mesmo que tardiamente, de considerar a Educação Básica o pilar do planejamento estratégico dessas instituições. Mais do que nunca, as universidades públicas vão precisar da Educação Básica, pela sua capilaridade social.