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[Análise] A BNCC como referencial para a educação na pandemia

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Por Claudia Costin, Diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais da FGV e ex-diretora de educação do Banco Mundial

A construção da BNCC, a Base Nacional Comum Curricular, começou bem antes de termos sequer a primeira versão do documento, que data de 2015. A existência de uma base curricular comum foi costurada desde a promulgação da Constituição Federal de 1988, que estabelecia, em seu artigo 210, que “conteúdos mínimos” seriam fixados para o Ensino Fundamental, de maneira a assegurar formação básica comum para todos os alunos brasileiros. Mais tarde, o artigo 26 da Lei de Diretrizes e Bases, de 1996, indicou que, além dos currículos do Ensino Fundamental, os de Ensino Médio também deveriam se basear numa base nacional comum, a ser complementada por uma parte diversificada. Mas o empurrão definitivo para o início da construção da BNCC veio em 2014, a partir do Plano Nacional de Educação (PNE), que deu força aos debates que ajudaram a edificar o documento tal como o conhecemos hoje.

Esse longo percurso de elaboração, discussão e aprovação nos fez chegar ao ano de 2020 com uma Base Nacional Comum Curricular para toda a Educação Básica. Ainda bem! Neste ano de tantas incertezas, em que a pandemia causada pelo novo coronavírus levou à suspensão das aulas presenciais, com retorno ainda incerto na grande maioria das redes, ter um documento que aponta e resguarda as aprendizagens essenciais, que são direito de todos os estudantes, nunca foi tão importante. 

Começamos o ano com 27 currículos de Educação Infantil e Ensino Fundamental, elaborados pelos estados e Distrito Federal, em parceria com boa parte de seus municípios, homologados pelos Conselhos Estaduais de Educação e com os que deverão ser alinhados ao Novo Ensino Médio, cuja parte comum é regida pela BNCC, começando a ser construídos. 

2020 era o ano da esperada chegada da BNCC às escolas, por meio dos novos referenciais curriculares, da adequação dos projetos pedagógicos de cada unidade escolar, da necessária formação de professores para implementação e dos materiais didáticos alinhados à BNCC.  

Com a explosão da pandemia, os planos mudaram e a BNCC não chegou às salas de aula da maneira como se previa. Porém, o documento encontrou novos caminhos para se fortalecer na prática, sendo utilizado como referencial para as redes, em meio a este cenário tão imprevisível e desafiador. Mediante um esforço notável de adaptação ao ensino remoto feito por secretários, congregados em instituições como a UNDIME e o Consed, gestores escolares e professores, a BNCC e os novos currículos estão sendo usados como referência para o planejamento e a execução das atividades pedagógicas, garantindo um norte comum de aprendizagem e ajudando professores a saberem o que deve ser priorizado a partir das aprendizagens essenciais apontadas no documento.

Algumas redes passaram a usar plataformas digitais como ferramentas de aprendizagem remota. Outras, pelas dificuldades de acesso à internet, fizeram uso também ou exclusivamente de programas de televisão ou rádio, combinados com materiais impressos que fizeram chegar aos estudantes. Independente do modelo adotado, a BNCC tem guiado a grande maioria dessas atividades. Esse papel referencial foi apontado pela pesquisa “A Educação não pode parar”, realizada pelo Iede e pelo Instituto Rui Barbosa. De acordo com o levantamento, 93% das redes que ofereceram aulas ou conteúdos pedagógicos durante a pandemia que utilizaram a BNCC e seus objetivos de aprendizagem. 

No retorno às atividades presenciais, os parâmetros de aprendizagem e desenvolvimento estabelecidos pela BNCC serão cruciais para garantir que habilidades e conhecimentos essenciais não fiquem para trás. As redes precisarão, pouco depois da volta às aulas e do necessário acolhimento de professores e alunos, realizar uma avaliação diagnóstica cuidadosa, a partir do que está proposto na BNCC e nos novos currículos, ano a ano. Esse será o ponto de partida para pensar na correção de defasagens e na reorganização do calendário escolar. 

As consequências da suspensão das atividades presenciais não serão minimizadas por uma futura vacina e devem persistir muito além da volta às aulas presenciais. Já éramos um país profundamente desigual e mais de oito meses de isolamento certamente agravarão este triste quadro. Sim, a pandemia não só escancarou como também aprofundou as desigualdades históricas que nosso país coleciona em matéria de educação. 

Estamos muito longe do cenário ideal. Mas, dentro das possibilidades que se apresentam, a BNCC oferece ferramentas importantes de mitigação de danos e pode dar mais clareza às reparações que serão necessárias para não baixar a barra da qualidade, ao possibilitar uma priorização estruturada dos conteúdos e habilidades a serem trabalhados no retorno e em programas de recuperação de aprendizagem. . 

E podemos ir além. Em uma perspectiva mais ampla, a pandemia nos fez refletir como sociedade sobre o valor e o sentido da educação. Crises são momentos de sofrimento, mas também de quebra de paradigmas e de inovação. Com certeza, aprendemos muito neste período e, com boas políticas públicas, poderemos transformar estes aprendizados em base para a construção de uma sociedade melhor em que o desenvolvimento seja, de fato, inclusivo e alicerçado em Educação de qualidade para todos.

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