A implementação da BNCC é um processo longo, que exige organização, planejamento, estrutura, recursos, além de capacidade executiva e técnica, com o envolvimento de profissionais em diversos níveis: das secretarias de educação ao chão da escola. O Consórcio para Pesquisas em Políticas Educacionais (CPRE) do Teacher’s College, da Universidade Columbia, está realizando desde 2018 uma pesquisa que terá duração de cinco anos, para acompanhar todo o desenvolvimento da implementação. 

A realização desse estudo, em escala nacional, é uma iniciativa importante para jogar luz no avanço das políticas que consolidam a implementação e ajudar a garantir a qualidade do processo. Por isso, tão importante quanto entender os resultados é a existência da pesquisa em si, capaz de agregar evidências ao debate sobre a implementação e dar subsídios para o aprimoramento constante da BNCC enquanto política estruturante, que apoia a garantia de aprendizagens essenciais.

O primeiro passo da pesquisa se concentrou no processo de reelaboração dos referenciais curriculares estaduais à luz da BNCC, em uma análise que focou nas habilidades de 3º e 5º anos, em Matemática e História. Os resultados apontam que, em geral, a vasta maioria das habilidades (75%) foram replicadas diretamente do texto da Base. O restante das habilidades (25%) incorporou algum tipo de conteúdo ao texto proposto no documento. As análises indicam ainda que nenhuma habilidade da BNCC ficou de fora dos referenciais curriculares estaduais.

A leitura dos especialistas

Os pesquisadores afirmam que ainda é cedo para tirar qualquer tipo de conclusão sobre esses resultados e que a réplica dos conhecimentos e habilidades propostos pela BNCC nos currículos não é, por si só, algo ruim. “Temos algumas hipóteses. Pode ser que a reprodução seja um esforço, por exemplo, de se manter fiel àquilo que a BNCC propõe, usando basicamente o mesmo texto com pequenas modificações. Ou pode ser por falta de tempo para a elaboração dos referenciais ou de recursos técnicos. Ainda é cedo para saber”, explica a pesquisadora Dra. Susan Fuhrman, ex-Presidente do Teachers College, Diretora Fundadora e Presidente do Comitê de Gestão do CPRE e uma das líderes do estudo. O próximo passo da pesquisa será, justamente, tentar entender junto às redes o que motivou esse tipo de apropriação do texto da Base.

Em uma análise descritiva, o que ficou claro por enquanto é que todos os currículos seguem uma estrutura similar. No início dos documentos há uma introdução, com a descrição do que se espera da educação, todas as justificativas legais, apresentação de especialistas, entidades e organizações envolvidos localmente no processo de reelaboração dos currículos e descrições das particularidades de cada território no que concerne à cultura, geografia e características socioeconômicas. Nesses textos introdutórios, os referenciais curriculares também fazem menção às 10 Competências Gerais da BNCC. 

Em relação às habilidades analisadas, os resultados mostram ainda diferenças significativas entre a abordagem das duas disciplinas, Matemática e História. Enquanto, nesta última, 61% das habilidades são as mesmas que na BNCC, no caso da primeira o número sobe para 82%. Esses resultados reforçam o que, à primeira vista, parece até intuitivo: o caminho para contextualizar as habilidades e conhecimentos propostos para Matemática e outras ciências exatas é menos óbvio do que para História, Geografia e Linguagens, para os quais é possível inserir com mais facilidade elementos da cultura local. 

O papel dos currículos

Os pesquisadores destacaram que, mais importante do que entender o que está por trás dos resultados encontrados até agora é garantir que os currículos ganhem profundidade. “O que nós chamamos de currículo inclui escopo e sequência, materiais, cronograma. Nós não vimos nada assim no Brasil”, explica o professor Ph. D Douglas Ready, Diretor do CPRE. Para ele, ainda não está claro em que momento as informações que estão nos currículos serão aprofundadas e desdobradas em outros documentos que orientam a jornada pedagógica.

Ainda assim, os especialistas reforçaram que o Brasil, ao contrário de outros países como Cingapura, Chile e Austrália, está em sua primeira versão de uma base nacional curricular, e que faz parte do processo tentar entender qual será o papel dos currículos por aqui e que mais deverá ser pensado e produzido para dar apoio à implementação. “Não estamos fazendo neste momento uma análise da qualidade dos currículos estaduais. Apenas tentando entender de que forma foram incorporadas as habilidades propostas pela BNCC”, ressalta Fuhrman.

Os próximos passos

A BNCC é um documento vivo que deve ser aprimorado com base nas percepções de professores e alunos e nos resultados das grandes avaliações nacionais, que mostram a evolução da qualidade da educação. No entanto, embora a revisão esteja prevista em lei para após 5 anos do início da implementação e seja importante reunir insumos desde já para retroalimentar esse processo, os especialistas são categóricos ao afirmar que o sucesso da BNCC não pode ser determinado em tão pouco tempo de implementação.

“Há uma diferença entre a vontade do professor e a capacidade do professor. A implementação da BNCC vai demandar um nível técnico mais alto. E ainda não está claro como as redes vão oferecer essa capacitação”, resume Ready. Em meio à descontinuidade do Programa de Apoio à Implementação da BNCC (ProBNCC) e da falta de uma forte centralidade para prover suporte técnico e recursos financeiros,  Fuhrman destaca que os pesquisadores ficaram impressionados com a atuação do terceiro setor para viabilizar a implementação. “Na implementação do Common Core, houve um momento em que o Governo Federal se retirou e o processo ficou a cargo de cada estado. Aqui no Brasil talvez o caminho para as redes seja confiar mais no suporte do terceiro setor do que no governo”, explica.

Sobre os prazos de revisão, os especialistas enfatizam que a prioridade deve ser garantir uma implementação de qualidade. Eles esperam que a revisão não seja realizada enquanto o documento não estiver realmente consolidado como referência nas escolas. “Leva um longo tempo para os professores se acostumarem, para os recursos necessários estarem disponíveis. É um processo de anos”, resume Fuhrman.