Por Priscilla Albuquerque Tavares, professora da escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas

Desde o início dos aos 1990, o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (SAEB) avalia o desempenho dos estudantes de ensino fundamental e ensino médio em Língua Portuguesa e Matemática. Criado e conduzido pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), autarquia vinculada ao Ministério da Educação (MEC), é o principal instrumento de monitoramento do sistema educacional brasileiro, de prestação de contas à sociedade e de subsídios aos estudos de fatores associados ao aprendizado que colaboram para o desenho e avaliação de políticas públicas educacionais. As últimas edições da avaliação não contemplaram de maneira satisfatória o que nos propomos a ensinar, desde a aprovação e implantação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Assim, faz-se necessário rever as diretrizes do SAEB, para que ele passe a refletir as expectativas de aprendizagem definidas por esse instrumento. Além disso, é preciso realizar outras mudanças no SAEB, de forma a aproximá-lo do modelo das avaliações internacionais de referência.

Veja também: [Análise] A importância das avaliações diagnósticas no retorno às aulas presenciais

Veja também: Avaliações e a BNCC: destaques em vídeo

Na pesquisa “O futuro do SAEB – entrevistas com especialistas”, conduzida por mim e apoiada pelo Movimento pela Base, foram ouvidos onze profissionais com larga experiência em avaliação educacional, atuantes na pesquisa acadêmica ou na gestão de políticas públicas educacionais. Os profissionais ouvidos foram: Chico Soares, Dalton Andrade, Daniel Santos, Ernesto Faria, Katia Smole, Lina Kátia Mesquita, Maria Inês Fini, Nilma Fontanive, Reynaldo Fernandes, Ruben Klein e Ricardo Primi.

O objetivo da pesquisa foi investigar a opinião dos especialistas sobre o desenho e a estrutura do SAEB atual e quais são as mudanças necessárias para que a avaliação cumpra os seus objetivos de monitorar os sistemas educacionais e fornecer subsídios para redes e escolas no aprimoramento da qualidade da educação.

É consenso entre os entrevistados: as matrizes de referência do SAEB encontram-se bastante defasadas e desatualizadas. Atualmente, a avaliação segue as matrizes de Língua Portuguesa e Matemática definidas em 2001. Poucas revisões e atualizações foram realizadas desde a criação do SAEB. Diante desse cenário, as principais mudanças apontadas pelos especialistas são: i. a revisão das matrizes de referência e o seu alinhamento à BNCC; ii. aperfeiçoar a documentação de referência, a descrição e a interpretação das matrizes, escalas e níveis de proficiência, tendo como base as boas experiências internacionais, como o PISA; iii. construir uma estrutura robusta de elaboração e pré-testagem de novos itens. Essas mudanças são urgentes, uma vez que é crucial que o SAEB evolua de uma avaliação de conteúdo ou repertório para uma avaliação de competências e habilidades, tendo como norte expectativas de aprendizagem mais elevadas.

Os especialistas defendem a manutenção do formato atual do SAEB. Ou seja, na opinião deles, o SAEB deve ser aplicado a cada dois anos e deve avaliar Língua Portuguesa e Matemática em todas as edições. Avaliações de Ciências da Natureza e Humanidades poderiam ser incluídas regularmente, mas com menor frequência de aplicação – de quatro em quatro anos, por exemplo. Além do 2º, 5º e 9º anos, alguns especialistas sugerem incluir o 7º ano do ensino fundamental, por considerarem que esta é uma etapa da escolarização na qual ocorrem muitas transformações e que uma avaliação intermediária seria bem-vinda. Com relação ao ensino médio, alguns argumentam que a avaliação do SAEB poderia ocorrer no 2º ano ao invés do 3º ano. Com isso, seria possível ter resultados sobre essa etapa da escolarização antes de da conclusão da educação básica. Em relação à abrangência, é unânime a opinião de que o SAEB deva ser censitário, pois essa é a única forma de incluir todas as redes estaduais e municipais na avaliação. Parte dos entrevistados defende também a inclusão das escolas privadas no SAEB, em caráter obrigatório.

Outros pontos também foram abordados na pesquisa. Acredita-se que os questionários de contexto do SAEB, que incluem informações socioeconômicas dos alunos e dados relativos aos recursos e práticas pedagógicas, devam ser mais simples e não devam sofrer tantas mudanças a cada edição. A divulgação e a devolutiva dos resultados deveria ser mais rápida e acompanhada de uma análise que relacione o desempenho com os fatores associados. Dessa forma, acredita-se que os gestores das redes e das escolas usariam mais intensamente os dados da avaliação para a tomada de decisões.

Os especialistas ainda apontaram para outros avanços, que seriam bem-vindos na reestruturação do SAEB e implementados no médio e no longo prazos, tais como a inclusão de itens abertos de respostas dissertativas e a migração da prova para o formato digital. Embora essas duas mudanças pareçam urgentes, quando comparamos o SAEB com outras avaliações internacionais, os entrevistados acreditam que deva haver cautela, para que essas transformações sejam incorporadas adequadamente e não tragam prejuízos à avaliação. Por fim, sugere-se, para o futuro, que o SAEB crie um ecossistema capaz de apoiar as redes em suas avaliações locais e ações de formação, a partir da disponibilização de um banco de itens e de uma plataforma para a elaboração de provas formativas e diagnósticas.

Segundo os entrevistados, a defasagem do SAEB deve-se, em parte, à ausência de uma estrutura de governança que subsidie a sua melhoria contínua. Uma solução seria a criação de um conselho de governança formal, composto por especialistas independentes, estudiosos do Brasil e do exterior das áreas de educação, psicologia, pedagogia, neurociência e ciência do desenvolvimento, que apoiassem o INEP em constantes revisões e atualizações dos instrumentos da avaliação.