Por Tereza Perez, diretora-presidente da Comunidade Educativa CEDAC

 

A pandemia colocou em xeque a forma como vivemos e nos relacionamos. Além de expor nossa vulnerabilidade e a interdependência de fatores ambientais, políticos e econômicos, o vírus tirou debaixo do tapete os efeitos perversos da desigualdade social. Tivemos que entender melhor como afetamos e somos afetados pelos outros a nossa volta e como podemos nos manter juntos, mesmo isolados. Se bem aproveitada, a reflexão a que fomos coagidos pode propiciar um salto de qualidade em nossas vidas e a educação pode ganhar em muitos aspectos.

Muitas escolas manifestam em suas práticas determinados conceitos e preconceitos, valores e atitudes que desconsideram a diversidade e as condições que precisam ser asseguradas para que todos possam aprender e se desenvolver. A BNCC deve ser um referencial para educação integral (pág. 14), entendida como fazer pedagógico e didático que diminua a iniquidade existente no país ao visar que crianças, adolescentes e jovens tenham aprendizagens equivalentes. Trata-se do enfrentamento de uma iniquidade há muito naturalizada e expressa na aceitação da pouca aprendizagem, do abandono, da evasão, da limitação da potência dos nossos estudantes.

Diversos estados e municípios se empenharam em modificar esse quadro, mas ele persiste. A pandemia escancarou a distância em que estamos do que consideramos uma educação de qualidade, exigindo um olhar mais rigoroso na reafirmação do compromisso da BNCC com a educação integral para todos.

Os aprendizados e questionamentos que se seguem merecem ser intensificados e analisados por todos nós, educadores.

1.Trabalho intersetorial – construção de rede proteção 

 As relações entre membros das secretarias de educação, diretores, coordenadores e professores se intensificaram. Foi preciso interagir fortemente com as famílias, com os conselhos, assistentes sociais e agentes de saúde, compartilhando o propósito de zelar pelas crianças, adolescentes e jovens. O trabalho intersetorial é complexo e não pode ser abandonado. É um dos pilares para o desenvolvimento da educação integral no território, porque gera uma rede de proteção social. 

Estabelecer a educação integral como princípio de nossas ações assume extrema relevância nesse momento, pois a escola não está apartada da sociedade. Quais práticas são necessárias para que ela intensifique a conexão com a sociedade local e global? 

2. Estrutura do sistema escolar

Utilizarei para reflexão o conceito de cronologia e monocromia da aprendizagem, cunhados por Flávia Terigi. Cronologia diz respeito à estruturação do sistema escolar: anos, agrupamentos por idade, unidades de tempo regular, bimestres, trimestres. Na monocromia, todos devem seguir uma sequência única e espera-se que aprendam a mesma coisa no mesmo tempo. Sabemos que isso não acontece, e aqueles que não correspondem a essa expectativa sofrem consequências e raramente obtêm o cuidado necessário ao seu processo de aprendizagem. Segundo o UNICEF, temos hoje 7,2 milhões de estudantes que repetiram pelo menos duas vezes. Como encarar essa realidade, agora ainda mais agravada pela pandemia?

A diversidade e não linearidade da aprendizagem manifestadas pelos estudantes evidenciam que estabelecer um currículo e cumpri-lo a qualquer custo não garante que todos aprendam o que foi projetado.  Para obter interações mais potentes, diversificadas e criativas, precisamos compreender o que ocorre com os estudantes e delinear o currículo em períodos mais flexíveis do que o anual, organizar o tempo para adequar diferentes necessidades e possibilidades de aprendizagem, repensar a divisão por ano/idade como critério único de agrupamento. 

3.Escola: território de afetos

A escola está no território e constitui um território de afetos. O ambiente escolar tem grande potencial para proteger e valorizar as diversidades culturais, sociais e de aprendizagem. É local privilegiado para que sejam vividas, respeitadas e intensificadas na interação afetiva de cada um com seus pares e com outros mais experientes. 

Estamos num momento de pensar grande, de nos arriscarmos a sonhar e planejar práticas que façam bem a toda a comunidade escolar, com condições estimulantes de trabalho e estudo, onde a atmosfera gerada por uma gestão democrática participativa possa ser vivenciada. Gestores, professores, coordenadores, diretores, famílias, estudantes, conselheiros… somos corresponsáveis na construção de afetos em busca de um convívio mais harmônico e positivo. As escolas que têm implantado a educação integral tiveram maior êxito no relacionamento com as famílias, na intensificação da rede de proteção e social e consequentemente nas aprendizagens das crianças e estudantes. 

4.Papel do professor 

A docência é uma das profissões mais difíceis de exercer. Um bom professor precisa de inúmeros conhecimentos e de sensibilidade para compreender os percursos vividos pelos alunos e as estratégias por eles utilizadas, de modo a contribuir com os avanços das aprendizagens de todos. 

Sem as aulas presenciais, os professores buscaram formas para que os alunos aprendessem, tentando se aproximar das intenções curriculares sem ter tido formação para atuar com atividades remotas. Nada fácil, nem simples.  

Precisamos conhecer o que foi aprendido, estratégias utilizadas, uso de recursos tecnológicos, retomar e fortalecer as aprendizagens para que todos e todas possam ter condições de continuar aprendendo. Não é hora (raramente é) de reprovações! Se há alguém a ser reprovado, são os adultos que não propiciam condições para que todos aprendam.  

Acolher a nossa diversidade possibilita construir diferentes estratégias. Vamos estudar as competências expressas na BNCC à luz dessa diversidade e construir em conjunto novas e melhores formas de atuar.

Desejo que o momento atual não seja uma “volta ao normal” e sim oportunidade para nos questionarmos e nos reorganizarmos motivados pela indignação, com novos quereres, novos projetos. Precisamos nos fortalecer, constituir redes de proteção social e buscar o aprimoramento de nossa formação para exercer melhor nosso papel. Precisamos fazer uma reviravolta escolar.