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Estreitamento de vínculos a partir da realidade das crianças na Educação Infantil

Ações na pandemiaBoas práticas

O distanciamento social, com a suspensão das aulas presenciais, impôs severos desafios a professores e estudantes de todas as idades. Mas no caso da Educação Infantil, os esforços para dar seguimento às atividades e manter o vínculo entre a criança a escola precisam ser ainda maiores. 

O estudante João* sempre foi tímido. A professora Adriana Santos, responsável por ele e outros alunos da multisseriada turma de educação infantil da Semei Maria Cleidson Mendes Roberti, em São Bento do Sapucaí  (SP), se preocupava que a criança se ensimesmasse mais no contexto de pandemia de COVID-19 e aulas remotas. 

Mas durante o minucioso trabalho de fortalecimento de vínculos que Adriana empreendeu nos últimos meses, lançando mão de recursos como videoconferências e ligações, João* se deixou conhecer em profundidade. A partir da escuta atenta, Adriana descobriu a musicalidade do menino, e sua participação ativa em grupos de congada locais da cidade junto com sua família. “Além disso, ele toca batuque no Zé Pereira (tradição de bonecos do carnaval local) e na Folia de Reis. Antes muito tímido nas videoconferências, ele até faz batuque nas conversas!”, relata a educadora. 

Estreitamento de laços, constância de presença e escuta atenta das crianças. Estes foram alguns dos princípios que guiaram as atividades desenvolvidas pela educadora durante este período pandêmico, profundamente influenciada pela implementação na prática da Base Nacional Curricular Comum (BNCC) para a Educação Infantil. “Se em um primeiro momento diante da BNCC eu e outras educadoras ficávamos com dúvidas e questionamentos, tão logo entendemos que para além dos objetivos de aprendizagem e desenvolvimento, a BNCC da Educação Infantil propõe uma intencionalidade pedagógica em suas práticas para assegurar que as crianças aprendam e brinquem a partir de suas próprias realidades.”

Uma jornada rumo ao estreitamento de laço e escuta das crianças 

Antes mesmo do distanciamento social, as atividades que Adriana desenvolvia com as crianças da SEMEI primavam pelo fortalecimento dos vínculos com as famílias. “Os pais no campo valorizam muito os educadores. Nos quatro anos em que estou trabalhando na escola, mantenho esse grupo de pais no WhatsApp, por onde envio atividades, faço registros e me coloco à disposição para ajudá-los.” 

Quando a pandemia começou, Adriana e a gestão optaram por migrar e adaptar as atividades da Educação Infantil para o ambiente remoto. Contação de histórias e  experiências lúdicas eram passadas neste mesmo grupo, onde os pais respondiam com registros em foto e vídeo. Embora pais e crianças tenham sido responsivos, Adriana logo percebeu que as respostas eram robóticas e as tarefas cumpridas sem interação: as atividades faziam pouco sentido para a realidade domiciliar das crianças, e elas sentiam muita falta da interação com a educadora e outros estudantes. 

Foi quando Adriana teve a ideia de, por meio de videoconferências e ligações, montar um cronograma de atendimento individual para cada uma das crianças, a partir de suas particularidades: há atividades para o grupo como um todo, mas também encontros e atividades a partir da escuta com as crianças. Semanalmente a educadora encontra cada uma das crianças digitalmente, para saber o que estão fazendo, como estão brincando. 

“Na escola, temos cantinhos do brincar, brinquedos que às vezes os deslumbram. Mas em suas casas, as crianças me mostram sua rotina, sua família, seu território. Nunca teria descoberto tudo que descobri se não houvesse a escuta do que fazem”, relata a educadora. “De repente me vi imersa em brincadeiras de quintal trazidas pelas crianças, relatos de seus gostos pessoais, como a congada e as práticas de rodeio. Criamos uma rotina de jogos simbólicos que faziam sentido para essas crianças.”

Vínculo entre crianças, vínculos com a família: o jogo simbólico que estreita laços

Para assegurar os direitos de aprendizagem da primeira infância descritos na BNCC, é preciso sempre considerar a criança como um ser autônomo, curioso e pleno de capacidades. A intencionalidade educativa das práticas norteadas pela base devem oportunizar a chance de ela conhecer a si própria, os outros e relacionar-se com o mundo que a rodeia. 

Para fazer isso, Adriana convida as crianças a sempre relatarem suas brincadeiras e rotinas, usando esses relatos como insumo para criar atividades que fazem sentido no seu cotidiano. “Os relatos foram vindo, e fui me aproveitando dessa partilha de informações. Tinha criança que gostava de rodeio, por exemplo. O pai fazia a locução do rodeio, a criança imitava o palhaço – uma figura clássica dos rodeios – e isso é era um aprendizado para uma brincadeira que genuinamente fazia sentido.”

Para fortalecer os vínculos entre as crianças, Adriana promove também ligações entre elas, convidando-as para atividades conjuntas. Os jogos simbólicos têm resultado em crianças mais abertas, que topam contações de histórias onde a educadora finge por exemplo soprar a casa na história do Três Porquinhos, ou o uso de materiais da casa para facilitar experiências e incentivar processos de investigação do entorno.

Os vínculos com os pais também foram fortalecidos. Eles fizeram parte das brincadeiras e da apresentação de seus cotidianos para outras famílias. “Tenho mais intimidade com as famílias agora. Quando eles têm dúvida mandam mensagem no meu particular, fazem atividades com as crianças, e eu faço parto do dia a dia deles”, relata a educadora. A manutenção de vínculos acontece mesmo com as crianças sem acesso fácil à internet. Nestes casos, e com toda profilaxia, a educadora se desloca até as casas para conseguir oferecer apoio. 

Não só a BNCC foi fundamental para esse processo, mas Adriana acredita que consegue entender melhor os objetivos de aprendizagens e competências a partir das práticas de escuta e atividades que respeitem os ritmos da criança: “A Base me mostrou que é possível, por meio das experiências, conhecer o cotidiano e a cultura das crianças e a partir daí criar atividades e investigações que potencializem os vínculos e aprendizagem. Hoje eu consigo enxergar os campos e experiências no dia a dia dos estudantes. Quando o João* está apresentando a congada para outra criança, quando estamos lendo livros de poesia em uma videoconferência, eu vejo a BNCC, e como a partir dela o retorno é diferente.”

*Criança com nome fictício para preservar sua identidade.