O Movimento pela Base é um grupo não governamental e apartidário de organizações e profissionais da Educação que atua e monitora o avanço da implementação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e do Novo Ensino Médio. Defendemos que políticas nacionais como as de formação de professores, materiais didáticos e avaliações externas devam necessariamente estar alinhadas à BNCC para induzir e apoiar uma implementação de qualidade pelas secretarias, escolas e professores de todo país.  

É com extrema preocupação, portanto, que constatamos que os editais do PNLD 2022 e PNLD 2023, da Educação Infantil e dos anos iniciais do Ensino Fundamental, respectivamente,  não estão alinhados à BNCC.

Ambos os editais trazem, em seus critérios de seleção de obras, a obrigatoriedade do alinhamento à BNCC, mas de forma simultânea à Política Nacional de Alfabetização (PNA).

Para entender melhor se as duas políticas poderiam ser contempladas simultaneamente – e, especialmente, em obras didáticas, pedagógicas e literárias conforme estabelecido pelo PNLD -, o Cenpec produziu, a pedido do Movimento pela Base, um parecer técnico que fez uma análise comparativa entre as orientações pedagógicas para a Alfabetização e Língua Portuguesa da BNCC e a PNA (nesta, as evidências foram coletadas a partir da análise dos Cadernos da PNA e dos programas de apoio Tempo de Aprender e Conta para Mim). 

A conclusão do estudo Entendendo as divergências entre a PNA e a BNCC é clara: a PNA diverge do que preconiza a BNCC. Apesar de afirmar o contrário, a PNA, diz o estudo, promove a adoção de um único método de alfabetização –  o fônico de marcha sintética, que limita a alfabetização apenas à capacidade de decifrar letras, sílabas e palavras, com propostas pedagógicas mecânicas. Já a BNCC, que não indica um método, reconhece a necessidade de decifrar letras e palavras e seus sons, porém indica que essas habilidades sejam desenvolvidas no contexto das práticas sociais. 

Tais divergências tornam inviável que ambas as políticas sejam aplicadas simultaneamente, como acontece nos editais do PNLD 2022 e PNLD 2023. 

Como em ambos os editais a PNA está presente como critério de seleção, entendemos que não há alinhamento possível desses documentos à BNCC – uma política pública de Estado, normatizada (Resolução CNE/CP nº 2 – 22/12/2017) como referência obrigatória não apenas para materiais didáticos, mas também para avaliações, formação de professores e, sobretudo, para os currículos de todas as redes públicas e particulares do país.

No que diz respeito ao alinhamento dos currículos, mais de 5 mil municípios (91% do total) já homologaram seus currículos de acordo com os princípios da BNCC. Esse cenário é incompatível com a chegada de obras alinhadas à outra política, que traz visões diferentes para o aprendizado e o desenvolvimento das crianças da Educação Infantil e induz, para os alunos dos anos iniciais do Ensino Fundamental, um único método de alfabetização. Como as redes utilizarão materiais que não estão alinhados aos seus currículos? Quais as orientações e apoio terão os professores para realizarem suas práticas pedagógicas de forma coerente com seus currículos, projetos pedagógicos e formação? 

O PNLD é a maior política pública de distribuição de materiais didáticos e literários, na qual foram gastos cerca de R$ 1,4 bi em 2019 e 2020 e deveria oferecer obras que dialogassem com as diversas concepções pedagógicas adotadas pelas escolas. Ao lançar editais que têm como critério de seleção um único método de ensino, deixa de fazer isso, desrespeitando a Constituição Federal (art. 206) e a Lei de Diretrizes e Bases (art. 3º) e até o próprio Decreto que a constitui (Decreto 9.099/2017, art. 3º), que expressam o pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas como princípio do ensino brasileiro. 

Há preocupação, ainda, com a seleção das obras. A qualidade do PNLD é garantida pelos critérios de escolha e avaliação dos livros, definidos no edital e elaborados com apoio de uma comissão técnica. A constituição e composição dessa comissão está determinada no Decreto, que prevê, além do próprio MEC, representantes das secretarias estaduais e municipais, conselhos de educação, representantes de instituições de ensino superior e da sociedade civil, entre outros. Historicamente, essa comissão sempre existiu nos termos do decreto. No entanto, o PNLD 2023 foi lançado sem a comissão constituída, assim como o PNLD 2022. No caso deste último, a Comissão foi constituída posteriormente, apenas com membros do MEC.

Acreditamos e valorizamos o PNLD, política que viabiliza, para a maioria das redes, o acesso à materiais didáticos de qualidade para apoiar o processo de aprendizagem dos estudantes e a prática pedagógica dos professores. É inadmissível que uma política dessa envergadura seja conduzida de forma displicente, com tantas fragilidades jurídicas e pedagógicas, cujas consequências podem ser irreversíveis para o processo educacional. 

Também acreditamos no potencial de apoio do PNLD à implementação da BNCC. Redes, gestores públicos e escolares, professores estão envolvidos na implementação desde 2018, investindo recursos técnicos e financeiros para que ela se concretize na aprendizagem dos estudantes. Principalmente em um cenário tão complicado como o da pandemia, o país não pode abrir mão de buscar garantir os direitos de aprendizagem e desenvolvimento para todas as crianças e jovens da Educação Básica.