Redes de EI e EF

[Análise] Priorizar para avançar

Ações na pandemiaAnálises e contextosCurrículos de EI e EFCurrículos do EM

Por Cecilia Motta, secretária de Educação do Mato Grosso do Sul e presidente do Consed

Em março de 2020, a pandemia do novo coronavírus exigiu a suspensão das  atividades presenciais em escolas de todo o Brasil. Muitas redes de ensino, então, buscaram promover o estudo não presencial, como por meio de aulas on-line, atividades impressas e transmissões pedagógicas pela televisão. Esse cenário apresenta inúmeros desafios a professores e estudantes. Além de se adaptar às novas formas de aprender e ensinar, saber o que deve ser tema das atividades também se mostra uma tarefa importante para garantir a aprendizagem com qualidade e equidade no cenário de crise.

Os currículos das redes de ensino alinhados ao que determina a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) explicitam os direitos de aprendizagem que devem ser garantidos a todos os estudantes daquele local, em cada etapa da Educação Básica e em cada área do conhecimento. Todavia, em um contexto de tempo e recursos reduzidos se faz necessária a flexibilização desses currículos, ou seja, a seleção de aprendizagens a serem priorizadas no trabalho com os alunos. Essa ação recebeu o respaldo do Conselho Nacional de Educação (CNE) por meio de parecer publicado em agosto que, por causa da pandemia, orientou a flexibilização em caráter excepcional.

Uma pesquisa realizada em dezembro de 2020 no âmbito do Programa de Residência em Gestão Pública, uma parceria do Consed com Vetor Brasil e Fundação Lemann, buscou diagnosticar a situação das redes do país no que se refere à flexibilização. O intuito foi acompanhar o avanço da implementação dos novos currículos em meio à pandemia e o papel que o programa teve nesses resultados. A iniciativa do Consed oferece apoio às Secretarias de Educação à continuidade da implementação da BNCC por meio da alocação, nas secretarias, de jovens profissionais pós-graduandos que atuam em ações pedagógicas relevantes e cumprem carga horária que combina atuação prática com formação.

Segundo o levantamento realizado com gestores educacionais das 26 redes estaduais participantes do programa, oito afirmaram já ter finalizado o trabalho de flexibilização para alguma etapa da Educação Básica, 17 estão com o processo em curso e uma têm previsão de começá-lo. A etapa mais contemplada nesses esforços foi o Ensino Fundamental, com 26 redes priorizando aprendizagens — para dar uma dimensão mais precisa da robustez do trabalho, o número de alunos impactados por essa ação nessa etapa chega à relevante marca de aproximadamente 7,3 milhões. Em seguida, está o Ensino Médio, considerado por 17 redes, e por último a Educação Infantil, contemplada por 10.

Apenas uma das redes declarou que a priorização de aprendizagens está a cargo das escolas, enquanto nas demais a ação ficou sob liderança da secretaria de educação. Seja qual for o modelo escolhido, manter os professores por perto, participando das decisões e acompanhando seu curso, é fundamental para as diretrizes se tornarem realidade. É importante ressaltar que nas secretarias esse processo conta com o apoio de especialistas pedagógicos e técnicos. Nesse sentido, a atuação do residente se destaca, e 17 redes concordam totalmente que o apoio desse recurso humano foi relevante para a continuidade da implementação de ações pedagógicas, como a flexibilização curricular.

Quanto aos recursos utilizados durante o processo de flexibilização, entre as redes que  concentraram o trabalho na secretaria, 11 redes (40,7%) declararam ter contado com materiais de apoio, como os Mapas de Foco produzidos pelo Instituto Reúna e pela Fundação Itaú Social e a Plataforma de Apoio à Aprendizagem, uma iniciativa do Consed e da Undime em parceria com coalizão do terceiro setor. Esses materiais facilitaram o trabalho ao sugerir critérios claros para a priorização e oferecer sugestões. Nas redes estaduais, o número de estudantes de Ensino Fundamental beneficiados por essas ferramentas chega a cerca de 3 milhões, o que representa 42,6% do total de matrículas.

Vale ressaltar que não se deve encarar o currículo flexibilizado como um novo referencial curricular permanente. Essa ação só faz sentido devido ao caráter atípico e emergencial da pandemia da COVID-19 e deve vigorar por tempo determinado, enquanto as principais medidas de mitigação de danos estiverem em curso. Contudo, a criação de uma referência curricular provisória mais enxuta se faz fundamental para serem garantidas as bases que permitirão a progressão da aprendizagem dos estudantes nos anos posteriores e para mitigar prejuízos e defasagens educacionais.

O currículo flexibilizado também deve ser a referência para a realização de outras ações e políticas, como avaliações diagnósticas. Elas são importantes para redes e escolas terem informações sobre a situação da aprendizagem de cada estudante e, assim, planejarem intervenções capazes de fazer todos avançarem. Já as formações são fundamentais para todos os profissionais estarem preparados para lidar com as adversidades impostas pela pandemia.

Outra pesquisa aplicada pela Frente de Avaliação do Consed e da Undime buscou coletar dados sobre a situação das redes de ensino no que se refere à aplicação de avaliações diagnósticas no contexto da pandemia. Foram recebidas respostas de representantes de 25 redes estaduais. Entre eles, 14 afirmaram já ter terminado o planejamento da aplicação de avaliações diagnósticas e avançado para etapas posteriores do processo — estão no momento de elaboração dos instrumentos, definição de datas de aplicação, realização das avaliações ou consolidação dos resultados. No Ensino Fundamental, o número de alunos atendidos por essas avaliações pode chegar a 5,5 milhões. Outros oito gestores afirmaram estar iniciando ou ter finalizado o planejamento do processo.

A já citada Plataforma de Apoio à Aprendizagem, que é alinhada à BNCC, aberta às redes públicas de todo o Brasil e gratuita, serviu de apoio para secretarias nesse trabalho. Ela apresenta itens para a avaliação de estudantes do 2º ano do Ensino Fundamental ao 3º ano do Ensino Médio, nos componentes Língua Portuguesa e Matemática. Também são oferecidas orientações pedagógicas para o trabalho a partir dos resultados das avaliações, além de insumos para acolhimento socioemocional e protocolos sanitários.

Entre os representantes das redes estaduais que afirmaram já ter avançado para além do planejamento das avaliações diagnósticas, cinco afirmaram ter se apoiado nos recursos da plataforma (o que no Ensino Fundamental representa cerca de 2,6 milhões de alunos impactados). Três afirmaram ter iniciado o planejamento consultando a ferramenta e outros 10 sinalizaram ter a intenção de fazê-lo no futuro.

Todos esses dados representam avanços conquistados pelas redes de ensino apesar das adversidades e merecem ser celebrados. Em 2021, é fundamental que seja dada continuidade aos esforços já iniciados e que outras ações sejam colocadas em prática para mitigar os impactos da pandemia. É importante ressaltar que elas devem ser planejadas a partir do que determina o currículo flexibilizado de referência da rede, além de estarem atreladas a formações continuadas de qualidade para professores e gestores escolares. Afinal, preparar e acolher os profissionais é fundamental para direitos de aprendizagem serem garantidos apesar das adversidades, em ambientes escolares presenciais ou virtuais.

Últimas