Em meio à pandemia de Covid 19, a Secretaria Municipal de Educação de Manaus criou o programa Diálogos Formativos, um projeto de apoio aos educadores na adaptação às aulas não presenciais. Especialistas conduzem conversas sobre os dilemas, práticas e potências do ensino e da aprendizagem a distância, a partir do referencial curricular do estado e da BNCC.
Em janeiro de 2020, passou a valer o Referencial Curricular Amazonense (RCA), elaborado à luz da Base Nacional Curricular Comum (BNCC), e os saberes de um território diverso cultural, territorial e socialmente como é o Amazonas.
Mas 2020 não foi um ano comum. Escolas se fecharam e para não perder vínculos e aprendizagens, educadores e educandos tiveram que recorrer – quando podiam – a ambientes digitais. Gestores, professores e comunidade escolar ficaram desorientados e as Secretarias responsáveis pela implementação do RCA se viram em um impasse: como fazer uma formação qualificada sobre a BNCC e ainda dar conta de responder aos desafios do ensino a distância durante a pandemia?
Um dos caminhos possíveis foi tecido no bojo do Cepan (Centro de Formação Padre José Anchieta). Em parceria com a Secretaria Municipal de Educação (Semed) de Manaus, o espaço, que conta com um centro de mídias e era responsável pela formação de todo corpo docente da rede municipal, criou o programa Diálogos Formativos, projeto de apoio ao educador sobre os dilemas, práticas e potências das aulas não presenciais.
“Pensamos no que o professor poderia precisar naquele momento para que ele pudesse compreender melhor o contexto que estava surgindo. Fizemos uma pesquisa dos temas e dúvidas que eles e elas tinham, como metodologias ativas, discussões sobre online e off-line e educação a distância”, conta Ana Maria de Lucena, diretora do Cepan.
Tecnologias educacionais: A BNCC como apoio para se pensar em uma educação diferente
Foram ao todo 12 sessões de Diálogos Formativos, transmitidas ao vivo por canais de rede sociais e também em faixas de canal de TV aberta, para contemplar os educadores com dificuldade de acesso à internet ou que lecionavam em regiões remotas, como comunidades indígenas. A espinha dorsal do programa foram as demandas dos próprios educadores, que traziam dúvidas referentes não só à pandemia, mas também em relação à prática de ensino a partir no novo RCA.
Cada sessão contava com três especialistas e/ou educadores da rede, que discutiam temas como educação integral, metodologias ativas e ensino híbrido. 15 dias antes de cada uma delas, o link da sessão era aberto e os educadores podiam enviar perguntas, em forma de texto ou de vídeo. “É um programa que nasce dos diálogos do professor com um pesquisador de referência e mediados pode alguém da área de formação”, explica Ana.
Essa empreitada, embora bem sucedida, não aconteceu sem os desafios inerentes a um país onde o acesso à internet e ao uso de tecnologias educacionais ainda não é democrático. “Apesar do uso de tecnologias sempre ter sido colocado à disposição de comunidades remotas, nem sempre os professores sabem operacionalizar esses recursos. Com esses diálogos, conseguimos passar a modalidade de ensino mediado para todo tipo de educador”, complementa a diretora.
O uso de tecnologias, que foi tensionado durante toda a pandemia, está diretamente relacionado à Competência Geral da BNCC que fala sobre cultura digital. Essa competência prevê o uso das tecnologias como parte do processo de formação integral dos sujeitos. A ideia é que jovens e crianças possam utilizar recursos e linguagens digitais para se expressar, produzir conteúdo e interagir com o mundo. E é ancorada nessa perspectiva que o Cepan aposta na formação de literacia digital não só dos educandos, mas dos educadores também.
“A educação está mudando. Criamos um aplicativo para facilitar as interações entre educadores e alunos durante a pandemia e vimos que quem mais acessava e utilizava era os educandos, então estávamos em um descompasso. Os jovens estão usando mais tecnologia e cabe a nossa geração acompanhar. É claro que toda essa transformação deve levar em consideração as condições concretas de acesso à internet a qual esse professor e aluno tem.”
Para incentivar os educadores a perceber a real possibilidade dessas práticas, os Diálogos Formativos revelaram que muitos professores, antes mesmo da implementação do RCA, já atuavam com bases nos princípios da educação integral, do ensino híbrido e de metodologias ativas, servindo de referência para outros profissionais da rede.
A BNCC no agora e no futuro da rede
Algumas áreas e competências da BNCC trouxeram dúvidas para os educadores durante os processos formativos, principalmente no que tocava à parte do Ensino Médio. Projeto de Vida e Itinerários Formativos foram alguns dos temas abordados nas sessões.
“As mudanças no Ensino Médio ainda causam surpresa e dúvidas nos educadores, porque não é muito comum a ideia de que os jovens possam escolher seus percursos educativos. Por isso é fundamental a questão metodológica, para que as pessoas de fato tenham uma perspectiva voltada para metodologias ativas e trabalhem com resolução de problemas e projetos”, explica Ana.
Para facilitar essa compreensão, outro fator importante das formações foi a insistência para que gestores das escolas participassem. “Embora o professor seja importante, o gestor muitas vezes dá o tom da escola e também sentiu os efeitos da pandemia. Fizemos uma formação ampla, trabalhando pincipalmente a ideia de que o gestor precisa trabalhar liderança e diálogo com a sua comunidade.”
Com o retorno presencial às escolas – ainda que não integral, com turmas intercaladas durante o dia da semana – a rede e a Cepan optaram por continuar a apoiar os educadores neste modelo híbrido de ensino e iniciar formações voltadas especificamente à implementação da BNCC somente em 2021. A ideia, entretanto, é que seus princípios de educação integral continuem a nortear formadores e formandos.
“Ficamos em uma situação muito delicada na rede, com medo de onerar professores que tinham que lidar além da implementação com a situação da pandemia. Optamos então por não trabalhar exatamente o referencial, mas sim temas que fizessem uma aproximação com as competências. É na BNCC que estão as temáticas que podem fortalecer diálogos com o educador”, finaliza a diretora.