O Ministério da Educação (MEC) divulgou no dia 14 de agosto os dados do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) e do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) de 2023. Para ajudar em uma análise dos resultados à luz da BNCC e das políticas educacionais mais recentes, elencamos os três principais pontos de atenção para os resultados. Confira!
1: Saeb e BNCC ainda não dialogam
Um dos principais pontos de atenção em relação aos resultados, especialmente do Saeb, é que ele não leva em conta necessariamente o que os estudantes estão de fato aprendendo na escola.
Segundo João Paulo Cêpa, Gerente de Articulação do Movimento pela Base, isso acontece porque o Saeb ainda utiliza as matrizes de referência anteriores à Base Nacional Comum Curricular (BNCC) para língua portuguesa e matemática no 5º e 9º anos do Ensino Fundamental e na 3ª série do Ensino Médio.
“Enquanto 99% das redes municipais e 100% das redes estaduais já têm seus currículos alinhados à BNCC, o exame permanece utilizando critérios anteriores. Estamos interrompendo trajetórias porque não sabemos se os alunos estão aprendendo o que é essencial”, pontua.
Esse desencontro no entendimento entre o que é ensinado e o que é avaliado sinaliza a urgência de pensar no pleno alinhamento à BNCC de todas as matrizes, escalas de proficiência e dos itens do Saeb. Entendemos que também é essencial que o Instituto de Estudos e Pesquisas Anísio Teixeira (Inep), responsável pela elaboração e aplicação da avaliação, estabeleça os níveis de aprendizagem, o que chamamos tecnicamente de padrões de desempenho.
Isso viabilizaria o que preconiza a meta 7 do Plano Nacional de Educação, de forma alinhada aos direitos e objetivos de aprendizagem estabelecidos pela BNCC. Com esse alinhamento, o Saeb poderá trazer maior nitidez sobre as aprendizagens essenciais, que são direito de todos os estudantes, como pondera Cêpa:
“O Saeb assumiu, com sucesso, o papel de principal instrumento de monitoramento da educação básica brasileira. Ele permite a realização de um amplo diagnóstico da aprendizagem e da equidade, fornecendo evidências para a elaboração e o aprimoramento de políticas educacionais e, ao mesmo tempo, servindo como referência para o trabalho pedagógico das escolas. No entanto, depois de 30 anos, e com a chegada da BNCC, ele precisa mudar para se manter relevante e apto a apoiar o avanço da qualidade educacional”.
Monitorar as habilidades da BNCC permite ao Saeb oferecer uma maior contribuição em suas devolutivas pedagógicas, fortalecendo seu papel de apoio ao trabalho das escolas e de induzir uma implementação equânime e de qualidade. Além disso, coloca o sistema de avaliação brasileiro em linha com outros sistemas educacionais pelo mundo, que recentemente promoveram mudanças semelhantes, no sentido de aferir competências essenciais para a formação contemporânea dos estudantes, induzindo e apoiando seu desenvolvimento nas escolas.
Para que isso aconteça, porém, é preciso realizar uma série de ações coordenadas que permitam o alinhamento de forma eficiente. Um documento produzido pelo Movimento pela Base coloca 9 propostas para que isso se torne viável, veja quais são:
- Criar um comitê de governança para a atualização do Saeb;
- Tomar decisões relativas às diferentes etapas em que a avaliação acontece;
- Reestruturar a documentação do SAEB (matrizes de referência, escalas de proficiência e padrões de desempenho);
- Reestruturar instrumentos e mecanismos para devolutivas às redes e escolas;
- Implementar as mudanças da primeira fase de mudanças do SAEB;
- Avaliar a primeira fase e corrigir rumos do processo;
- Construir novo banco de itens a partir da documentação reestruturada;
- Propor produtos de apoio às redes;
- Definir a transição para a avaliação digital;
2: Estudantes não retornaram ao nível de proficiência de antes da pandemia, mostrando dificuldade em avançar
Do ponto de vista dos resultados trazidos este ano, pode-se dizer que as escolas brasileiras continuaram registrando baixa proficiência em língua portuguesa e matemática em todos os anos avaliados do Ensino Fundamental e Ensino Médio.
O Gerente de Articulação do Movimento pela Base também alerta para esse ponto de atenção, pois mostra que a educação básica não recuperou ainda o que se perdeu na pandemia, e essas perdas vêm se arrastando na trajetória dos estudantes.
“A defasagem de aprendizagens no Brasil, intensificada pela pandemia, terá impactos sentidos pelos próximos 10 anos e nas próximas 5 edições do SAEB. Essa situação compromete o avanço escolar e o futuro pessoal e profissional dos nossos jovens. Apesar de todo o esforço das escolas, os estudantes seguem com lacunas de aprendizagem. E a recomposição segue como uma estratégia fundamental para mudar este cenário, especialmente nos Anos Finais e Ensino Médio, onde os resultados são ainda mais preocupantes.” reforça João Paulo Cêpa, gerente de articulação do Movimento pela Base.
Outro fator para se atentar é que os números divulgados neste ano não permitem comparação direta com a edição anterior, de 2021, pois na época os resultados foram afetados pela pandemia. E, ao se comparar os dados com a edição de 2019, nota-se que os níveis de aprendizagem ficaram abaixo daquele ano.
3: Melhorar cenário mostrado no Saeb 2023 passa pela recomposição de aprendizagens
Diante os dados iniciais do Saeb 2023, entendemos que o caminho para melhorar os resultados deve, sobretudo, orientar a recomposição das aprendizagens. A pandemia aumentou as defasagens e, para garantir que os estudantes consolidem as aprendizagens essenciais e tenham cumprido seus direitos de aprendizagem e desenvolvimento, será preciso pensar em políticas de recomposição das aprendizagens nos próximos anos.
Os principais resultados do Saeb 2023, somados às avaliações diagnósticas realizadas pelas redes, devem indicar onde será preciso incidir. É essencial que haja um destrinchamento de quais são as aprendizagens em que os estudantes têm apresentado maior dificuldade, e que elas sejam abordadas também na formação de professores, assim como em materiais instrucionais de qualidade, de forma a apoiar o trabalho dos educadores.
Ao explicitar as aprendizagens a que todas as crianças e jovens têm direito em cada ano da Educação Básica, a BNCC possibilita mensurar o quanto os estudantes conseguiram aprender durante a pandemia. Isso tem sido fundamental para desenhar estratégias de recomposição das aprendizagens que sejam robustas, sistêmicas e orientadas para as necessidades específicas de cada estudante.
Nos últimos anos, o Movimento pela Base viabilizou em parceria com outras instituições uma série de materiais que contribuíram para esse caminho. Um destaque são as Fichas de Recomposição de Aprendizagens para professores de Língua Portuguesa e Matemática para o Ensino Fundamental, disseminadas em parceria com a Nova Escola e elaboradas com apoio técnico do Instituto Reúna e do Instituto Rodrigo Mendes. Desde que foram lançadas, elas tiveram mais de 5 milhões de acessos, contando inclusive com assessoria para técnicos de secretarias em sete estados.
Vale destacar ainda que o segundo relatório de monitoramento do Compromisso Criança Alfabetizada, lançado pelo MEC, levantou que em 2023, nas redes estaduais, 17 Estados (59%) realizaram ações de recomposição das aprendizagens para estudantes do 3º ao 5º ano do Ensino Fundamental, com foco em Alfabetização. Para as redes municipais, de 5173 municípios escutados no relatório, 83% realizaram este tipo de ação no recorte de 3º a 5º ano do Ensino Fundamental.
Recompondo o Futuro
Em 2023, o Movimento pela Base realizou também a campanha Recompondo o Futuro, que fez um chamado aos educadores e às redes de ensino para garantir que todos os estudantes desenvolvam os conhecimentos e habilidades essenciais para vida pessoal e profissional. A campanha contou com uma série de ações, oferecendo materiais para uma recomposição de aprendizagens inspirada na BNCC.
Outro destaque é o Material de apoio ao professor para recomposição das aprendizagens dos estudantes. Elaborado em parceria entre Movimento pela Base, Associação Nova Escola e Instituto Reúna, com o objetivo de apoiar a recomposição das aprendizagens focais no Ensino Fundamental, nos componentes curriculares de Língua Portuguesa e Matemática, esse documento gratuito oferece caminhos práticos para a recomposição.