*Por Kátia Schweickardt, doutora em Sociologia e Antropologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, professora associada da Universidade Federal do Amazonas, ex-secretária municipal do Meio Ambiente (2013-2015) e de Educação de Manaus (2015-2020) e membro do Conselho Consultivo do Movimento pela Base.

As iniciativas da Concertação pela Amazônia, rede composta por 250 organizações públicas e privadas e 400 lideranças engajadas na conservação e no desenvolvimento sustentável do território no Brasil, desde 2020 têm se mostrado exemplares quanto à importância das articulações intersetoriais para o desenvolvimento integral dos estudantes e dos locais em que vivem. 

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Dividida em diversas equipes de trabalho – como Cultura, Educação, Juventudes, Narrativas, Bioeconomia, Inteligência Política e Ordenamento Territorial –, a Concertação articula discussão ambiental e promoção de políticas públicas em diferentes áreas. As ações possibilitam constatar como as dinâmicas ambientais, sociais, culturais e econômicas da região amazônica interferem na forma de viver, de educar crianças, adolescentes e jovens e de re-educar a todos nós.  

Seu grupo de Educação, que articula universidades, especialistas e entidades do terceiro setor, acredita que as ações estruturantes para o tema na Amazônia passam por inserir a região nos currículos de ensino de todo o Brasil, integrar o mundo do trabalho a partir da educação profissional e técnica para o desenvolvimento da região e por apoiar a melhoria da infraestrutura de conectividade e do letramento midiático para atuação na democracia.

Para isso, é preciso considerar as habilidades e competências da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e dos currículos, mas também a necessidade de revisão dos paradigmas de desenvolvimento hegemônicos que costumam ser simplesmente reproduzidos pelas políticas públicas, especialmente as educacionais. Dentre os destaques propostos pela Concertação para o Ensino Médio estão os chamados Itinerários Amazônicos, que propõem implementar nas escolas da região atividades educacionais integradoras ao meio ambiente e ao potencial de ações sustentáveis.

A Concertação evidencia a importância e eficácia da intersetorialidade associada ao regime de colaboração entre os poderes. Nesse caminho, a preocupação também acaba sendo como tornar mais efetivas na Amazônia políticas públicas que já existem. Afinal, muitas vezes elas são desenhadas e replicadas a partir de padrões de políticas públicas supostamente universalizantes em termos de Brasil em detrimento das características e potências locais. 

Cerca de 80% das escolas municipais da região amazônica estão localizadas em comunidades ribeirinhas, indígenas e quilombolas, onde a quantidade de estudantes é menos expressiva. A métrica para compreender a potência dessa região e o avanço de suas políticas públicas não deve ser o número de pessoas impactadas, e outros parâmetros devem ser adotados.

Daqui pra frente, é preciso priorizar o investimento em políticas educacionais que foquem na qualidade do que é praticado nas escolas e nos territórios ao seu entorno. É preciso entender que educação de qualidade é aquela que se expressa em práticas e conteúdos que promovem a equidade, respeitando e valorizando a diversidade das culturas locais e as múltiplas formas de relações das comunidades com o meio ambiente. 

Urge trabalharmos no sentido de valorizar o ser e o viver na Amazônia. E se apresenta como ideal compensar e distribuir o alto investimento, casando políticas de atendimento e qualidade educacional, de saúde e de assistência social.

As necessidades e possibilidades de revisões quanto às especificidades das demandas da região se ampliam e levam a mais questionamentos: faz sentido investirmos na infraestrutura das escolas brasileiras seguindo um único padrão? Os padrões como esse, que regem as políticas educacionais no país, foram definidos considerando as realidades de quais regiões, de quais culturas, de quais crianças e jovens? 

A Concertação pela Amazônia se propõe a ser um vetor de mudança de percepções a partir de propostas e ações desenhadas em conjunto por organizações e lideranças da rede e entidades dos poderes públicos nos nove estados da região amazônica brasileira. 

As ações do grupo têm constatado que, mais do que ser percebida como um local longínquo, ermo e sedento de conhecimentos vindos de fora, a Amazônia se mostra com um potente ativo brasileiro capaz de ensinar outras regiões entendidas como mais desenvolvidas por funcionarem a partir de lógicas que parecem ser, no curto prazo, as únicas possíveis e as mais eficientes para a vida no planeta. Um ativo cuja riqueza se revela nos saberes daqueles que vivem ali. 

Diferentes experiências da Concertação estão trazendo à tona como a realidade Amazônica pode nos ajudar a lidar com situações desencadeadas e escancaradas pela pandemia, por exemplo. É o caso da percepção de que é possível e necessário trabalhar com os estudantes usando o que está fora da sala de aula, ao ar livre, interagindo diretamente com o meio ambiente. 

Outro exemplo é que muitas turmas ao redor do Brasil passaram a apresentar características análogas às daquelas multisseriadas, uma realidade em muitas escolas da “Amazônia profunda” e que exige estratégias sobre como trabalhar em sala com estudantes que possuem diferentes experiências e diferentes necessidades de suporte para a promoção de jornadas de aprendizagem significativas.

Podemos dizer que o modo de vida na Amazônia, que tem garantido a sustentação da floresta até hoje, ensina outras realidades a tornarem mais significativas e mais ambientalmente sustentáveis as suas vivências e práticas educacionais e em diferentes setores. É como se pudéssemos, a partir da realidade amazônica, aprender todos um novo jeito de viver, produzir conhecimento, educar, garantir saúde e manter a vida no Brasil e fora dele.




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