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Desafios e avanços da Educação Infantil de Boa Vista, em Roraima

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O currículo alinhado à Base Nacional Comum Curricular (BNCC) para a Educação Infantil em Boa Vista, capital de Roraima, foi homologado em 2019. Para a construção do documento, houve o envolvimento de membros da secretaria municipal de educação, professores, gestores escolares e familiares das crianças matriculadas. Esse trabalho coletivo começou em 2017, teve apoio da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal e da Fundação Getulio Vargas (FGV), e resultou em um currículo que atende às necessidades da rede e à visão atual sobre educação e desenvolvimento infantil.

Veja também: Destaques do vídeo ao vivo sobre construção do currículos e desafios durante a pandemia

Veja também: Adequações no currículo e nas orientações para a Educação Infantil em Araguaína (TO)

No ano de 2019 o currículo já chegou à sala de aula. Mas em 2020, quando a implementação nas escolas e a formação dos professores seria consolidada, começou a pandemia do coronavírus e as escolas foram fechadas. No lugar das propostas feitas presencialmente, que previam interações e brincadeiras entre crianças e educadores, houve adaptações para serem realizadas em casa, com apoio essencial dos familiares das crianças. Todas as atividades, porém, continuaram a ter o mesmo norte: o currículo local.

Os desafios em 2020 e em 2021 têm sido muitos, mas os conhecimentos construídos com a equipe anteriormente permitiram enfrentá-los. Nos momentos formativos, por exemplo, secretaria de educação e escolas tinham estudado a parte da BNCC para Educação Infantil, o que fortaleceu a compreensão sobre aprendizagem e desenvolvimento das crianças.

Quem conta mais sobre a experiência destes últimos anos são Lilian e Lidiane. Lilian Vieira do Santos é Gerente da Educação Infantil na Secretaria Municipal de Educação de Boa Vista e uma das responsáveis pelo aprendizado das 11 mil crianças de até 5 anos e 11 meses matriculadas na rede. Lidiane Souza é coordenadora pedagógica da Creche e Pro-infância Emília Rios Peixoto, que atende cerca de 380 crianças.

 

“O currículo como bússola”

Como a construção do currículo de Educação Infantil de Boa Vista foi feito em parceria com educadores e comunidade, ele já nasceu com legitimidade no município (veja o registro com a sistematização sobre este processo). “O nosso currículo procura refletir e valorizar a diversidade que temos em Roraima, marcada pela cultura dos povos indígenas e fortes influências nordestinas e das grandes metrópoles do país”, conta Lilian, dizendo que historicamente as políticas públicas municipais para a primeira infância são muito presentes, com integração das diferentes secretarias, o que se reflete em espaços da cidade adequados para os pequenos. “Procuramos colocar a criança como centro principal das ações, para que ela possa construir sua aprendizagem com autonomia e protagonismo, tendo o professor e a família como apoio para mediar o conhecimento”, afirma a profissional.

Lidiane, coordenadora pedagógica há 2 anos, com larga experiência como professora, confirma: a proposta curricular é a bússola para o planejamento do professor de Educação Infantil. “Precisamos ter objetivos claros e registrar as evidências que mostrem como esses objetivos foram alcançados. Com o currículo, o trabalho mudou, e foi para melhor”, diz Lidiane.

 

O primeiro ano da implementação

Mas nem sempre foi assim. Antes de 2019, ano de construção do currículo, as creches em Boa Vista eram locais de cuidado de crianças e apoio às famílias, com pouca intencionalidade pedagógica e olhar mais assistencialista; na pré-escola, o foco era a alfabetização. Lidiane acompanhou as mudanças e percebeu a resistência dos profissionais, já que precisaram transformar a rotina e a forma de trabalho. Lilian conta: “Quando começamos construir o novo currículo, houve um processo de desconstrução daquele fazer pedagógico. Mas as mudanças tinham um porquê, e isso aos poucos foi compreendido”.

O ano de 2019 foi o primeiro de implementação do currículo, com formação continuada dos profissionais da educação feita em grupos. Funcionou assim: a equipe da FGV, do Centro de Excelência em Inovação e Políticas Educacionais (CEIPE), formou os técnicos da secretaria de educação. Eles, por sua vez, realizaram os encontros com gestores e coordenadores pedagógicos das escolas. Esses se encarregaram dos estudos com os professores. Lilian conta que esse processo foi contínuo e simultâneo entre as equipes, favorecendo as reflexões sobre o que estava sendo discutido e colocado em prática.

 

Em 2020 e 2021, mudanças com a pandemia do coronavírus

Em março de 2020, com o fechamento das escolas causado pela pandemia, a secretaria manteve o compromisso de atendimento das crianças de forma remota, seguiu as orientações das Resoluções e Diretrizes oficiais para a etapa e procurou minimizar o impacto causado na aprendizagem das crianças. Para isso, disse Lilian, foi criado em abril o Programa “Aprendendo em Casa BV”, com atendimento diário para as crianças utilizando os meios digitais. A equipe da secretaria passou a planejar e publicar planos de atividades para serem realizadas com a presença de um adulto em casa. Enquanto isso, as escolas criaram grupos de Whatsapp por turmas para interagir com as famílias, resolver dúvidas e receber as atividades feitas.

Lidiane conta que esta forma de trabalho não tem sido simples, porque há muitas dificuldades enfrentadas pelas famílias das crianças, como falta de celulares ou conexão para internet, além de tempo e disponibilidade dos responsáveis. Mas há avanços progressivos e visíveis do ano passado pra cá. “Notamos que nem sempre as famílias conseguiam manter uma continuidade no apoio das crianças. Porém, como é papel da coordenação pedagógica criar mecanismos para acompanhar cada uma, procuramos criar alternativas que melhor atendam às realidades, como com a entrega de atividades impressas. Vejo que famílias e escolas são parceiras indispensáveis neste momento”, diz.

Lilian comenta como as propostas pedagógicas foram adaptadas para o ambiente familiar: “As experiências previstas para as turmas procuraram evidenciar atividades lúdicas, com produções feitas pelas crianças, seja em áudios, vídeos e construções de brinquedos, promovendo a interação. Pensamos nos diferentes contextos em que as crianças vivem para que todas elas tivessem condições de desenvolver o trabalho proposto”, afirma Lilian.

Em relação à formação dos professores durante a pandemia, o foco da secretaria tem sido as competências socioemocionais e o uso das ferramentas digitais. Na escola de Lidiane, os encontros quinzenais de formação continuada têm procurado resolver as dificuldades apontadas pela equipe, discutindo por exemplo sobre como construir o relatório de acompanhamento dos estudantes ou promover a inclusão dos estudantes com deficiência.

Em 2021, as equipes incluíram um espaço a mais para troca dos profissionais. Agora, os gestores de cada escola têm momentos de diálogo com seus pares, e um mostra os desafios e acertos de cada instituição. Além disso, a secretaria promoveu uma escuta com gestores e professores sobre quais os temas geradores que colaborariam com o planejamento das atividades realizadas de forma remota.

O estreitamento dos laços com as famílias continua merecendo atenção. Lidiane conta que nas propostas enviadas para as casas há curiosidades sobre o currículo e o trabalho pedagógico, contando em forma de “Você Sabia” detalhes sobre o processo de ensino e aprendizagem da Educação Infantil. Nas reuniões com os responsáveis também são tiradas dúvidas em relação à intencionalidade por trás das brincadeiras, sobre quando as crianças serão alfabetizadas e a origem das propostas de cada professor: “Dizemos que o objetivo não é fazer com que as crianças aprendam a ler e a escrever antes dos 6 anos, e que as brincadeiras também promovem desenvolvimento”, exemplifica a coordenadora.

Na esperança pelo retorno progressivo da rotina das crianças e professores e o controle da pandemia no segundo semestre de 2021, a secretaria procura retomar as orientações do currículo e reforçá-las. “Sabemos que nem todos os esforços da equipe da educação são suficientes para atender a realidade das 11 mil crianças da Educação Infantil, mas continuamos procurando fazer o melhor e buscando a equidade, com o direito de aprendizagem assegurado a todos”, diz Lilian.

“Em 2020 aprendemos muito com as dificuldades do contexto e precisamos pensar em diferentes estratégias para lidar com o cotidiano. Para 2021 pudemos planejar e fortalecer o trabalho, fazendo com que a aprendizagem sofra o menor impacto possível e que o retorno presencial nas escolas seja feito com qualidade”, conclui Lilian.

 

A ligação entre BNCC e currículo

“A BNCC mostra que as crianças pequenas aprendem a todos os momentos e têm seus direitos. As afirmações desse documento colaboraram para a aceitação, dentro do município, do que indica nosso currículo, porque reafirma certos conceitos e direcionamentos”, diz Lilian. Foi essencial estudar a Base com os educadores de Boa Vista desde que foi criada: com o documento em mãos, compreenderam o que significam os Campos de Experiências, as interações e as brincadeiras, o cuidar e o educar, os direitos de aprendizagem e desenvolvimento. Karina Fasson, da área de Conhecimento Aplicado da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, instituição que apoiou a elaboração do currículo da capital de Roraima, acredita que o currículo torna tangível o que a BNCC aponta, mostrando o que faz sentido para a realidade local, conectando quem está no município e a política pública. E diz: “Ao elaborar o currículo para as crianças de até 5 anos e 11 meses, a equipe de Boa Vista pode pensar na Educação Infantil como uma unidade que tem práticas pedagógica coerentes e objetivos claros de aprendizagem para a criança”.