O Projeto Político-Pedagógico (PPP) é um documento central de cada escola, tendo como objetivo fortalecer sua identidade e esclarecer aspectos práticos com orientações quanto a sua organização, concepções, marcos conceituais, estratégias e metodologias que vão nortear as práticas e definir os objetivos de aprendizagem, sempre de acordo com o currículo da rede. Para o município de Sítio Novo, localizado a 105 quilômetros da capital Natal, no Rio Grande do Norte, o processo de construção dos PPPs junto às escolas da rede municipal tornou-se um momento inédito de criação coletiva e de definição de interesses e prioridades de toda a comunidade.

O trabalho teve início com o ano letivo de 2022, período em que a rede também fez a revisão de seu currículo. Segundo Deisiana Barros Raimundo da Silva Santos, Coordenadora Técnica Pedagógica da Secretaria Municipal de Educação, o município aderiu ao Currículo do Rio Grande do Norte, alinhado à Base Nacional Comum Curricular (BNCC), e em seguida passou a produzir uma parte específica considerando a realidade local. Após um ano de trabalho, a proposta curricular de Sítio Novo foi apresentada e validada em uma Conferência Municipal, que ocorreu em novembro de 2022. O desenvolvimento do trabalho contou com o apoio do Secretário de Educação de Sítio Novo, Francisco Xavier Mafra, e da prefeita Andrezza Brasil Souto Bezerra.

Veja também: Materiais e dicas para planejamento pedagógico e recomposição das aprendizagens para a volta às aulas em 2023 

Veja também: Planejamento Pedagógico 2023: destaques da transmissão

Com pouco mais de 5.600 habitantes, a cidade conta com cinco escolas. Dessas, apenas uma está localizada na região central da cidade e as demais distribuídas pelo território. Por conta disso, explica Deisiana, foi necessário olhar também para a particularidade de cada área e suas demandas específicas.

“A cidade tem três realidades escolares: temos uma na sede, que atende desde Educação Infantil aos Anos Finais do Ensino Fundamental, outra menor na serra, onde há potencial turístico, e três unidades na zona rural, que são escolas multiano. Por isso, nós precisávamos pensar em um currículo que atendesse às diferentes realidades. Adotamos o documento curricular do Rio Grande do Norte e a BNCC, mas eles não tratavam de questões específicas do município. Através da formação continuada, vimos a necessidade de construir uma proposta curricular própria, bem como revisar os PPPs com as escolas”.

A coordenadora explica que os PPPs não eram atualizados há mais de dez anos e que o momento de construção da proposta curricular foi ideal para essa revisão. “Os projetos anteriores eram voltados para um conhecimento técnico, com pouca ou nenhuma formação continuada para preparação e elaboração. Durante 2022, realizamos oito encontros de formação, além de reuniões, nas quais discutimos os PPPs dentro da concepção da proposta curricular, priorizando temáticas urgentes para cada escola. Sítio Novo nunca teve proposta curricular própria e foi algo novo. Ainda precisamos melhorar muito, mas estamos dando passos que outros municípios maiores da região ainda não deram”.

Você sabia?

Estabelecido há 26 anos pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), o Projeto Político-Pedagógico ganhou papel de importância no contexto de implementação dos novos currículos alinhados à BNCC. Seu processo de elaboração deve ser feito por cada escola e garantir a apropriação das novas diretrizes, além de levar à reflexão sobre como realizar o trabalho pedagógico dentro e fora da sala de aula.

Questões urgentes em destaque nos PPPs

Ao revisar as necessidades específicas de cada escola, a Secretaria de Educação de Sítio Novo investiu na intersetorialidade e trabalhou em conjunto com a Assistência Social, o Conselho Tutelar e a Secretaria Municipal de Saúde. Segundo Maria Flávia Bezerra da Silva, também Coordenadora Técnica Pedagógica da SMEC, a atuação em conjunto foi essencial para identificar as urgências que ultrapassavam o currículo.

“Vimos como muito urgente situações consideradas preocupantes não só do ponto de vista da escola, mas de outras instituições parceiras da educação, por exemplo, o uso de drogas e a sexualidade na infância e na adolescência, quando acontece a vulnerabilidade de meninas. No PPP da escola distrital, por exemplo, trouxemos essa questão com mais foco, pois há muitos casos de gravidez precoce e pedofilia. O plano de ação precisou contemplar esses temas com a proposta de diversas ações ao longo do ano”, conta.

Maria Flávia ressalta que as decisões estabelecidas nos PPPs irão nortear o fazer das escolas e o calendário para 2023, que englobam tanto as questões pedagógicas quanto as temáticas identificadas como urgentes, e que o objetivo é revisitar os planos anualmente para mantê-los atualizados de acordo com as demandas da sociedade. 

“O PPP é um documento que precisa ser considerado no dia a dia, voltado ao fazer pedagógico da escola, e precisa ser consultado constantemente. Costumamos dizer que a intenção já está no nome, ou seja, trabalhar a política pedagógica com o envolvimento de todos que construíram esse documento, todos que fazem a escola, não só gestores e professores”, pondera.

Veja também: Municípios do Rio Grande do Norte e o alinhamento dos currículos à BNCC

Veja também: Conheça o panorama de implementação da BNCC no RN

Atuação coletiva para colocar os PPPs em prática

Maria Flávia afirma que a observação de temáticas urgentes para a comunidade só foi possível graças ao trabalho coletivo de criação da proposta curricular e dos PPPs. Além disso, a rede contou com o apoio das escolas para inserir nos projetos questões relacionadas ao turismo, à sustentabilidade, aos festejos locais, à cultura afro e indígena e ao empreendedorismo. 

“Alguns professores têm dificuldade de falar sobre certos temas que não são bem vindos dentro da própria comunidade. Esses temas haviam sido retirados do currículo anterior e sentimos necessidade de trazer o debate novamente, pois o currículo nos dá esse amparo por lei. Assim, temos uma maneira segura para tratar de questões polêmicas, como sexualidade, religião, cultura etc. Para isso, convidamos especialistas de outras pastas e de instituições parceiras que possam colaborar sempre que necessário”.

Para a diretora Edenice Carneiro de Vasconcelos, responsável pelo Centro Municipal de Ensino Rural Professor José Bezerra Sobrinho, que concilia três unidades escolares em áreas rurais, o trabalho de construção coletiva da proposta curricular e dos PPPs foi uma novidade. “O projeto foi desenvolvido em parceria com a comunidade, tanto escolar quanto civil, priorizando o que estava mais crítico. Em cima disso, a equipe desenvolveu o trabalho e foi dando corpo e vida a ele. Hoje, pensamos que vamos desenvolvê-lo com muita excelência, porque o trabalho em equipe é construído a cada dia. Isso nos motiva e nos leva a fazer o melhor para nosso município”.

Ela conta ainda que, em outros anos, a educação da zona rural havia sido deixada de lado e, consequentemente, essas escolas foram as mais afetadas na pandemia. “É muito bom ver crescer e fazer junto com a comunidade. Ver, por exemplo, alunos sendo incentivados a buscar novas oportunidades, como aconteceu no caso dos esportes, com o incentivo para o atletismo escolar, e alunos chegando a competições de nível nacional. Tudo isso veio através de projetos que a Secretaria de Educação nos deu para desenvolver na comunidade”. 

Ela diz ainda que, para 2023, a expectativa é ampliar a educação de modo integral. “Pensamos em levar o melhor para a comunidade do campo, tanto escolar quanto civil, porque a gente não trabalha só com o aluno, mas com a família no todo, para que isso se reflita no resultado na escola”, pondera.

A coordenadora Deisiana acredita que a inspiração alcançada após um ano de trabalho de revisão curricular irá perdurar nos próximos ciclos letivos. “No dia 31 de novembro de 2022, a proposta foi apresentada para toda a comunidade, com representações dos poderes executivo e do legislativo, município, associações, conselhos, representantes de religiões, pais, alunos e professores. Além disso, cada gestor apresentou o PPP de sua unidade de ensino. Eu considero esse momento um marco na nossa carreira e na história de Sítio Novo, porque nunca havia acontecido. Este ano, além da jornada pedagógica, teremos muitos momentos de formação, tanto presencial quanto online, em que poderemos avançar e aprofundar esse trabalho na prática”.

Entrevista

Especialista explica a importância do PPP para as escolas públicas

Ao longo do processo de construção dos PPPs, a rede de ensino de Sítio Novo contou com a assessoria da pedagoga e consultora em educação Márcia Portela (nas fotos a seguir realizando formação para equipe pedagógica e com profissionais da secretaria de educação), que incentivou o trabalho coletivo e a revisão constante dos projetos junto à comunidade. A seguir, ela fala mais sobre a importância desse documento para as escolas públicas:

  • O que é um bom Projeto Político-Pedagógico?

Para mim, um bom PPP tem duas faces, como se fosse uma moeda. Em uma das faces, precisamos definir o que pensamos sobre o que é a escola em si. A gente sabe que a escola tem duas funções primordiais, que são informar e formar. Não adianta só informar, pois isso um bom computador resolveria. O formar é quando você humaniza o fazer pedagógico. Nós temos que ter essas concepções sobre o que se pensa da escola, da sociedade, do ser humano, da educação, do que deve ser um bom planejamento e o que vai promover boas aprendizagens para os alunos. Esse lado da moeda é a concepção. 

A partir dessas concepções, o PPP também tem a face do planejamento, pois ele é um projeto, algo que vai lançar o olhar adiante para fazer com que a concepção se concretize em uma escola verdadeiramente eficaz, ou seja, que a concepção de sociedade gere em cada criança e cada adolescente cidadãos honestos, empáticos, generosos, responsáveis e respeitosos. E há muito o que se planejar, como os projetos ao longo do ano, os componentes curriculares e os de interesse dos municípios, questões de cultura, de patrimônio e outros pontos específicos do território. Isso está na palavra político, que às vezes é mal interpretada ou controversa, mas se encaixa na medida em que um bom PPP é para todo mundo construir junto, executar junto e se considerar autor. E, sendo autor, buscar bons resultados. 

  • Como transpor o que está na BNCC e no currículo da rede para o PPP?

É importante que o PPP siga a BNCC, enquanto política nacional, e também o documento curricular estadual e da rede municipal na construção. A BNCC é uma parte do ciclo, que é ampliado com o documento estadual, mas falta um pedaço, exatamente o que é de interesse específico de cada município. Sítio Novo, por exemplo, é uma cidade pequena, do interior do Rio Grande do Norte, com muitos morros, perfil agrícola e que tem uma característica interessante em sua cultura, que é a história de um senhor que tinha um fascínio pela narrativa medieval e construiu um castelo que passou a caracterizar a cidade do ponto de vista turístico. Ou seja, quando você pega um patrimônio cultural desse, ele é daquela cidade. Ele não está em São Paulo, nem em Natal, ele é de Sítio Novo, e precisa fazer parte do currículo daquele município, assim como fatores específicos da sua geografia, cultura e questões sociais. Esse ciclo começa com a BNCC, amplia-se com o documento curricular estadual e se fecha quando chega ao município, para que cada educador entenda que precisa construir, no texto da escola, habilidades, sugestões didáticas e problematizações que tenham a ver com sua realidade.


  • De que forma e com qual periodicidade o PPP deve ser atualizado?

Eu oriento que a atualização seja anual. Lembra da moeda com duas faces? A face do planejamento tem que ser anual. Mesmo a face conceitual, do que é escola, pode ser aperfeiçoada também. O que se pensava de escola dez anos atrás, hoje se pensa diferente, porque há mudanças na maneira de pensar o currículo. Antes, ele era diferente, hoje já pensamos no currículo de olho na BNCC. Não significa que o PPP precisa ser todo refeito sempre, ele pode ter pequenos ajustes que fazem parte desse aperfeiçoamento. Já uma revisão geral, que exige olhar o PPP inteiro, eu oriento que seja feita de quatro em quatro anos, encaixando no tempo de gestão municipal. Eu oriento que essa revisão geral seja feita no primeiro semestre do início da gestão, porque a secretaria normalmente é renovada, a equipe vem com novas concepções e ideias que também são geradas do plano de governo do prefeito. São novos olhares que vão iluminar esses PPPs nas escolas.

  • Como a comunidade escolar deve participar da criação e implementação desses projetos na prática?

O PPP precisa começar por algum lugar. Eu defendo que quem comece a minuta seja a equipe gestora, formada por direção, vice- direção e coordenação. São eles a locomotiva da escola, que incentivam e puxam para o planejamento, então, que comece com eles e que eles tenham a sapiência e a paciência de sempre chamar os diversos segmentos da escola para participar. Quanto mais se faz isso, mais as pessoas se sentirão autoras dos PPPs. Se ficar só com a equipe gestora, o documento acabará engavetado. Quanto mais participação houver, mais eficaz é a execução. Isso não é fácil. Há muitos professores que acham que não é da alçada deles construírem, ou não se sentem comprometidos, mas é uma questão de persistência. A comunidade externa, como Conselho Tutelar, associação de pais, os conselheiros de caixa escolar, os conselhos a nível municipal, como o Conselho da Merenda Escolar, do Fundeb [Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica] e o Conselho Municipal de Educação também têm a obrigação de estar atentos a como estão os PPPs.

 

Últimas