De acordo com o Governo do Estado do Rio Grande do Sul, mais de mil escolas foram fechadas e tiveram as atividades interrompidas pelas fortes enchentes que atingiram o estado no mês de maio. Por mais de duas semanas, regiões inteiras ficaram submersas e, mesmo com as águas baixando lentamente, ainda é difícil enxergar uma perspectiva de retorno à rotina.

Nesse cenário, mesmo diante de prioridades emergenciais, faz-se necessário também pensar em adaptações curriculares para que as milhares de crianças e de adolescentes afetadas tenham capacidade de acompanhar as atividades quando voltarem para as salas de aula, tanto do aspecto cognitivo quanto socioemocional.

Segundo o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), pensar a educação em situações de emergência “garante dignidade e sustenta a vida, oferecendo espaços seguros para aprendizagem”, onde é possível reconhecer e apoiar as crianças e adolescentes que necessitam de assistência e oferecer a elas locais seguros para seu desenvolvimento.

O fechamento dos serviços educacionais expõe crianças e adolescentes a diversos riscos como trabalho forçado, exploração e abuso sexual, isolamento, entre outros; razão pela qual os serviços devem ser o mais rápido possível reabertos total ou parcialmente para ajudar a recuperar a sensação de normalidade. Além disso, eles devem desenvolver conteúdo (competências e aprendizagem) para enfrentar a nova situação colocada pela emergência, ao mesmo tempo que serve de apoio para recuperação da saúde emocional de crianças e adolescentes afetados. – Unicef

Mas uma vez que os contextos, as necessidades e as exigências tenham mudado, não será possível continuar a desenvolver conteúdos educativos que não respondem à nova realidade. Diante de um contexto incerto e complexo como o de uma emergência, o currículo deve ser adaptado a isso. E, em momentos como esse, ter acesso a uma Base Nacional Comum Curricular (BNCC) é ainda mais relevante, pois permite que as redes de ensino e escolas partam de um ponto comum para prosseguir com a adaptação curricular, priorizando habilidades e competências de acordo com a sua necessidade.

Partindo das orientações da Unicef e pesquisando referências de modelos de intervenção curricular propostos em mais de 15 países, o Vozes da Educação realizou um levantamento a pedido do Movimento pela Base para oferecer às escolas recomendações de como realizar uma adaptação curricular em caso de emergência ou desastre. Considerou-se situações que envolvem a desestabilização da normalidade, como enchentes; perdas de moradia; falta de acesso a serviços básicos; deslizamentos de terra; pandemias; violência; entre outros. 

O documento foi criado no contexto da pandemia de covid-19 e mostra o que precisa ser levado em conta considerando a educação integral dos estudantes, com as expectativas de aprendizagem e as competências gerais esperadas para cada etapa de ensino. Clique na imagem abaixo para conhecer o material completo e veja alguns destaques na continuidade do texto.

Três passos para a adaptação curricular emergencial

De acordo com o guia de recomendações, para que a adaptação curricular seja realizada, é preciso primeiro atender às necessidades prioritárias dos estudantes em determinado contexto. Isso consiste em identificar e hierarquizar os conteúdos, competências e/ou habilidades do currículo vigente, em uma ação que envolve governos em todos os níveis, especialistas, terceiro setor, iniciativas privadas e a comunidade.

Com base nisso, o levantamento do Vozes da Educação identificou três passos iniciais para a adaptação curricular emergencial:

1. Etapa recreativa e preparatória

  • Tem o objetivo de apoiar crianças e adolescentes para lidar com o impacto ou dano emocional, desenvolvendo atividades estruturadas para superar crises, lutos e medos.
  • O apoio socioemocional é desenvolvido com maior intensidade de conteúdo e tempo, sendo reduzido nas etapas seguintes, até a situação se “normalizar”.

2. Etapa lúdica

  • O objetivo é fazer a transição progressiva para a educação formal, estabelecendo rotinas gradativas, por meio de atividades artísticas, lúdicas, recreativas e esportivas.
  • As atividades acadêmicas são incorporadas, mas sem rigor avaliativo, equilibrando aprendizagem e desenvolvimento de competências socioemocionais.

3. Educação formal

  • Estabelecidas as condições necessárias para o retorno às atividades formais, as rotinas são progressivamente retomadas.
  • Todos os componentes do currículo são atendidos, com estratégias para apoiar estudantes com dificuldades de aprendizagem.
  • Definem-se rotinas e estratégias pedagógicas diferenciadas para o ensino dos conteúdos/ habilidades.

Adaptações curriculares: o que considerar?

Avançando no guia de recomendações, a Vozes da Educação orienta atentar para a pertinência, essencialidade e a sequencialidade na seleção dos conteúdos, considerando a variedade, a relevância e a adequação das metodologias. 

Veja a seguir outros aspectos indicados no material e que devem estar no radar das escolas e gestores de educação para pensar o planejamento do currículo após uma situação de emergência.

– Abordagens e metodologias diversas

Os desafios que surgem a partir de emergências podem ser uma oportunidade para implementar novas abordagens. É um processo que requer empatia e colaboração dos diferentes níveis do setor educacional e de outros setores, como sociedade civil, organismos de cooperação internacional e demais atores comprometidos com a educação.

– Integralidade dos estudantes

As dimensões emocional, cognitiva, motora, avaliativa, espiritual e física devem ser abordadas a partir da adaptação do currículo. Dependendo das etapas de ensino, haverá maior ênfase em uma ou outra dimensão.

– Articulação entre as etapas de ensino

É fundamental trabalhar a adaptação curricular estabelecendo pontes e conexões entre séries e etapas de ensino, porque isso oferece coerência e fortalece o processo de aprendizagem.

– Diversidade, equidade e inclusão

Trabalhar a diversidade e a equidade como forma de pensar e agir na adequação do currículo oportuniza aos alunos o exercício pleno de seus direitos.

– Potencializar as habilidades

Em emergências, é necessário promover o empoderamento da comunidade a partir da educação para a cidadania e o enriquecimento de habilidades, especialmente das competências voltadas para a vida dos estudantes.

– Orientação para fortalecer a resiliência

Durante um período de emergência, é essencial preparar emocionalmente os estudantes para enfrentar e superar a situação que os afeta no momento.

Etapas para a criação de um currículo emergencial

Tomando como base as boas práticas dos 15 países pesquisados para o levantamento, o Vozes da Educação sugere quatro etapas para a criação do currículo emergencial:

– Alinhamento com todos os atores envolvidos na elaboração e validação

A maioria dos países elaborou o currículo emergencial a partir de órgãos de governo, nacionais ou subnacionais, mas outros atores também foram envolvidos no processo de elaboração e validação do currículo. Os principais atores são: governo; iniciativa privada; terceiro setor; profissionais de ensino. Estes atuaram por meio de consulta pública, oferta de materiais, formação e consultoria técnica para órgãos de governo.

– Seleção das habilidades

Para a seleção das habilidades, os países utilizaram modelos diferentes, como entender o contexto da situação de emergência, selecionando apenas o que é possível de ser trabalhado remotamente; garantir que o conteúdo seja essencial para diferentes séries e componentes curriculares, que será utilizado em avaliação, mas também para além dela; e garantir que o conteúdo possibilite o avanço para outras etapas, dentre outros.

– Olhar para as competências socioemocionais

Considerando que eventos emergenciais, independentemente do contexto, podem gerar traumas em estudantes e professores, é importante que as competências emocionais entrem como um dos assuntos ou componentes a serem priorizados no currículo emergencial. Acolher o que os estudantes estão vivenciando de forma intencional por meio do trabalho com habilidades socioemocionais foi prioridade nos currículos emergenciais da maioria dos países pesquisados para a criação do documento.

– Atenção para a formação e os materiais de apoio pedagógico

Para auxiliar na implementação do currículo, alguns territórios elaboraram materiais e guias, tanto para professores quanto para estudantes. Além dos materiais, foi essencial a formação para os professores sobre os novos currículos.

 

  • Quer saber mais sobre esse tema? Clique aqui e baixe o relatório completo de intervenções curriculares em situação de emergência.