*Por Janaína Barros, coordenadora pedagógica na Secretaria de Educação do Estado da Bahia

A evasão escolar é um problema social que afeta todas as etapas da escolaridade, mas que atinge auges ainda mais preocupantes na adolescência e na juventude. Considerando essas faixas etárias, o afastamento das atividades escolares é ainda mais recorrente quando se trata de estudantes negros, pobres, meninas, moradores de regiões periféricas e rurais matriculados em classes de EJA (Ensino de Jovens e Adultos) e no Ensino Médio, etapa final da educação básica.

Problemas sociais associados à descrença no estudo como um fator modificador da realidade na qual se encontram fazem com que os jovens cedam às necessidades imediatas e engrossem as estatísticas da infrequência escolar e do abandono dos estudos. Como consequência disso, a evasão alimenta um ciclo de vulnerabilidade, ajudando na perpetuação das desigualdades.

Veja também: [Análise] Documento reforça compromisso com a educação inclusiva

Veja também: Pesquisa mostra intervenções curriculares em 15 localidades do mundo durante a pandemia

Em 2013 foi instituído o Estatuto da Juventude (Lei nº 12.852) significando um marco na defesa de direitos dos jovens à educação de qualidade, com foco na garantia de educação básica, obrigatória e gratuita, inclusive para os que a ela não tiveram acesso na idade adequada. Ainda assim, o Brasil conseguiu fomentar políticas públicas de permanência que desse aos muitos jovens brasileiros as condições de concluir o Ensino Médio.

Antes do Estatuto da criança e do adolescente, em 2008, o país amargava índices superiores a 1 milhão de estudantes da rede pública fora da escola, conforme dados do Censo Escolar, produzido pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), órgão vinculado ao Ministério da Educação (MEC).

Em 2016, três anos depois da existência do Estatuto do Adolescente, houve uma redução do índice de evasão. Nesse ano, 515 mil estudantes deixaram de estudar, número muito alto, mas que em comparação com 2008, teve uma redução de 49,2%, um fato que certamente deve ser comemorado. Apesar disso, os indicadores de abandono e de evasão escolar continuaram altos, e o que já era grave antes da pandemia, tornou-se alarmante durante e após o período de aulas remotas. É notório que a evasão não se inaugurou na pandemia, mas teve nela seu auge.

Identificar processos e fatores que impulsionaram e impulsionam o abandono e a evasão escolar dos jovens envolve a complexidade de se entender as raízes políticas históricas, socioeconômicas e até culturais envolvidas na questão. Enquanto as causas são complexas e envolvem inúmeros fatores, as consequências do afastamento precoce da escola comprometem toda a trajetória de vida de um cidadão ou cidadã, e o desenvolvimento do próprio país. Esse afastamento envolve situações em que, por exemplo, o jovem busca um trabalho para a resolução imediata de um problema grave e urgente como a insegurança alimentar; mas ao resolver esse problema de ordem imediata, retroalimenta a perpetuação de um ciclo de pobreza e vulnerabilidade.

Diversas situações são consideradas decisivas no momento de ficar ou sair da escola: a falta sonhos, de sentido e significado dos estudos, de perspectivas de futuro; as necessidades básicas do presente como alimentação, acesso a saúde e moradia. Soma-se a isso um sistema escolar pouco atraente, que muitas vezes castram os sonhos em vez de ensinar a sonhar. Tais causas vem tendo eco na opinião partilhada por estudantes e professores.

Nessa partilha de porquês fica visível que o fator socioeconômico é preponderante e influencia fortemente outros fatores que levam ao abandono escolar. Mas a dissociação do que é ensinado na escola com o contexto vivenciado por estudantes não os possibilita uma visão clara de quebra dos ciclos de dificuldades que os estudos podem proporcionar. Assim, muitos deixam a escola para ajudar os pais no custeio da família, outros são incentivados pelos próprios pais a deixarem de estudar. Isso porque a maioria dos adultos do contexto no qual os adolescentes estão inseridos não veem ou não conhecem alguém que tenha vencido na vida por conta da educação. Outros pais até mesmo chegam a proibir os filhos de continuarem os estudos para que sigam em busca de autonomia financeira. Trabalhar, ajudar no sustento, talvez seja o maior motivo para a evasão, ou seja, a dureza da realidade presente tem roubado as perspectivas de futuro. Mas além da garantia do sustento existem outros aspectos sociais pesando, e muito, na decisão de seguir ou parar de estudar. A dificuldade para chegar à escola por morar distante, evidente nas zonas rurais, também tem levado muitos à desistência dos estudos.

Há solução para a evasão escolar?

Apesar da complexidade que envolve o tema, é preciso imprimir esforços para acabar com a evasão. Esforços esses que vão da criação e efetividade de políticas públicas ao fazer dos professores. Políticas que garantam transporte escolar, merenda de qualidade, formação de professores e renda mínima para famílias carentes têm se mostrado eficazes. Na outra ponta, como o docente é a mão mais próxima dos jovens e adolescentes estudantes, é preciso que assuma o papel de avaliar e detectar aqueles que estão propensos a abandonar a escola, que por sua vez, tem potencial e oportunidade de buscar formas de solucionar o problema através da ajuda da comunidade escolar.

No entanto, os motivos da evasão estão também fortemente arraigados fora do espaço escolar. Detectados os problemas, é preciso avaliar a forma de agir: recorrer à família e conscientizá-la para buscar uma solução conjunta. A constância desses esforços a longo prazo, caso não resolva de todo, com certeza amenizará a evasão e o abandono dos estudos. No entanto, em cada escola é possível dar passos importantes, para isso, gestores escolares devem ficar atentos, isso por que a evasão:

– Em cada escola é diferente. Em cada uma há motivos e contextos específicos. Em algumas, por exemplo, a questão de gênero;

– Em muitas redes os índices mais altos estão centrados nos meninos, que acabam evadindo mais que as meninas;

– Muitos alunos não veem exemplos na família de quem venceu pela educação, conhecer, ver e conviver com esses exemplos na escola pode fazer toda diferença;

– Ela pode estar sendo “incentivada” pela comunidade, que não costuma incentivar os jovens aos estudos. Abrir a escola e se aproximar do seu entorno pode ser a chave para a redução de índices;

– Tem sua origem muitas vezes na não garantia de direitos constitucionais, aí muito estudantes se veem na necessidade da escolha entre comer e estudar.

É preciso também organizar uma rede de apoio. As escolas enfrentam ainda o desafio de acompanhamento com alunos que retornam da evasão, pois eles precisam de uma dinâmica de estudo específica. Há professores que encaram tal situação como retrabalho e não raro lidar com tais estudantes com frases como “nem sabia que você tinha voltado…”. Esse tipo de postura aumenta o abismo do aluno com a escola, pois não se sente bem recebido, sem monitoramento ou acolhimento. É preciso lembrar que a volta para a escola não anula o problema original da evasão. O aluno que evade uma vez, se a causa não for identificada e tratada corretamente, pode evadir novamente.

Não podemos esquecer que entre os muitos motivos, estudantes que evadem sentem medo de voltar para escola por não saberem como serão recepcionados, temem sofrer bullying, principalmente em casos de gravidez ou abandono por trabalho. No documentário Prova Escrita, é possível reconhecer típicos estudantes brasileiros em seis  histórias marcadas pela evasão que tiveram um final feliz  como a observação e a escuta podem contribuir no combate à evasão escolar. Isso por que muitas vezes a escola/professores precisam se adaptar à realidade do estudante que deseja concluir os estudos, mas que possui uma rotina conturbada por causa da família ou trabalho.

Além disso é preciso considerar que a evasão no Fundamental I é de responsabilidade dos pais, no Fundamental II e Médio é compartilhada com os estudantes. Com isso, qualquer ação com estudantes precisa checar abordagem e linguagem. É preciso também dar suporte aos professores: instruir como acolher, não ser culpabilizado, não deixá-lo desamparado, auxiliar a planejar o retorno, orientar a identificar a evasão.

Temas como: trabalho x estudo, acolhimento/pertencimento com escola, minorias: negros, garotas, rural e relação professor e aluno são oportunos para pautas formativas organizadas pelos gestores escolares na relação com uma comunidade escolar que deseja planejar e implementar ações de erradicação da evasão escolar.