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Depoimentos de professores sobre a coerência entre currículos e os elementos educacionais

Redes de EI e EF Análises e contextos

Em maio de 2022, professores das cinco regiões do país foram entrevistados sobre o currículo oficial das redes de ensino alinhado à Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e sua coerência entre diversos elementos que apoiam o trabalho em sala de aula, como formação de professores, avaliação e materiais didáticos, além da participação na reelaboração dos currículos. A pesquisa, realizada pelo Conhecimento Social a pedido do Movimento pela Base, teve como objetivo avaliar resultados de pesquisas quantitativas feitas pelo Instituto Datafolha com professores da Educação Infantil e do Ensino Fundamental sobre o mesmo assunto em 2021.

De forma geral, nota-se que os participantes conhecem e avaliam positivamente as diretrizes e as orientações da BNCC, mas há ressalvas em relação à forma com que vêm sendo incorporadas pelas redes e disseminadas aos docentes.

No debate sobre a prática de sala de aula, em muitos casos os professores dizem ter dificuldade de conciliá-la ao novo currículo oficial da rede e, em consequência, à BNCC. Alguns dos entrevistados disseram que o novo currículo não é claro com relação a demandas e especificidades relacionadas às diferenças regionais e à aplicação de alternativas diante da falta de recursos nas escolas.

Veja alguns dos depoimentos:

“A BNCC também é isso: uma sugestão para você trabalhar em cima. Eu entendo também como ela foi pensada e qual o objetivo dela, que é fazer o nivelamento das regiões. Porque antes era muito diferente o aluno aqui do Norte para o aluno do Sul ou do Sudeste. Isso foi bom!”

Professores dos anos finais do ensino fundamental

“- Na escola que estou agora foi implementado ano passado. E muitos professores não sabem muito sobre esse currículo. (…) Infelizmente, por ser uma coisa nova, ainda não foi explorado, não foi explicado, não teve um curso, não teve aquele feedback com os professores: ‘Olhe, vocês precisam trabalhar assim; essa BNCC ela veio para auxiliar vocês assim’. Não, foi jogado para o professor: ‘Receba e jogue para o aluno’.
– Nós já estamos aplicando o currículo já um tempo. – Nas áreas mais distantes, onde eu também trabalho, é mais difícil. (…) Sem contar que nem o diretor da escola lá, se a gente perguntar para ele o que é uma BNCC, ele não tem as informações precisas para repassar para os professores.”

Professores dos anos finais do ensino fundamental

“Tem o problema nessas áreas ribeirinhas no interior, onde nem todos têm acesso à internet. (…) É difícil aplicar tudo o que se espera. Não tem como usar.”

Professores dos anos finais do ensino fundamental

“As turmas não estão homogêneas. (…) As expectativas da BNCC estão muito além. (…) Espera-se que as crianças se alfabetizem até o 2° ano, mas as crianças não estão alfabetizando, muitas até o 4° ano.”

Professores dos anos iniciais do ensino fundamental
Impactos da pandemia

A pandemia foi apontada com frequência como um obstáculo à implementação da BNCC e dos novos currículos, já que exigiu o distanciamento social e a reorganização de práticas, nem sempre adequadas e eficientes.

Segundo parte dos professores ouvidos, não houve estratégias específicas para cumprir o novo currículo durante esse período e nem para superar as defasagens de aprendizagem daquele momento.

Veja alguns dos depoimentos colhidos:

– Aqui não existiu nada. A gente foi dando atividades na medida do possível, por WhatsApp e outras plataformas. Mas, era mais atividades tentando amenizar, tentando passar o conteúdo, mas não era a mesma coisa do que no ano letivo normal, sem pandemia. Perdemos muito.”

Professores dos anos finais do ensino fundamental

“(…) eu percebi assim dessa pandemia o que essas crianças ficaram fazendo em casa, porque eu acho que eles ficaram tão viciados em celular e jogos que quando chegaram na escola as crianças não queriam cantar, não queriam participar no momento de brincadeira, chegaram crianças apáticas.”

Professores da educação infantil
Currículo e prática pedagógica

Os participantes demonstraram sentir falta de apoios e orientações, tanto por parte das secretarias quanto das escolas, principalmente para implementarem os preceitos em sua prática em sala de aula, o que inclui os materiais utilizados.

Um dos maiores incômodos dos participantes relacionado à prática pedagógica é a adequação do novo currículo em relação às defasagens dos estudantes, sobretudo no período de interrupção das aulas presenciais durante a pandemia.

Leia algumas das contribuições:

“- Tem coisas no currículo que não é possível inserir em sala de aula. Não tem condição de inserir sem alguma adaptação. (…)

Professores dos anos finais do ensino fundamental

Os alunos vêm de um processo de defasagem tanto por sociedade, tanto por famílias desinteressadas, tanto por alunos desinteressados. Isso torna ainda mais difícil seguir o novo currículo ou adequar à BNCC. (…) Essa defasagem já acontece antes mesmo da pandemia.”

Professores dos anos finais do ensino fundamental
Currículo e recursos didáticos

Segundo opiniões, no geral os materiais didáticos estão seguindo as premissas da BNCC, mas nem sempre estão adequadas às realidades locais e às práticas de sala de aula. Os problemas de defasagem, ampliados devido à interrupção das aulas presenciais, interferem na escolha e na avaliação dos materiais e de seus conteúdos.

Veja mais:

“As habilidades são muito fora da nossa realidade. Passou a dar História Geral para as crianças do 5° ano. Eles não conseguem se apropriar dessa História Geral… Mesopotâmia… Eles não têm maturidade para entender essas questões que não são da realidade deles. Antigamente, nós dávamos História do Brasil. (…) Tem muito pouco de história da nossa região. Não tem muita regionalidade.”

Professores dos anos iniciais do ensino fundamental

A percepção é de que os professores não foram chamados para participarem da elaboração dos currículos e da escolha dos materiais, que é quem sabe da realidade da escola.”

Professores dos anos finais do ensino fundamental

“Aqui trabalhamos com vários recursos. Tem as habilidades que precisamos fazer, mas nem sempre seguimos. Mas procuramos estar alinhados com a BNCC. (…) Dispomos dos materiais que a escola tem… Sempre dá para aproveitar o que tem e a gente vai adequando ao que a gente se propõe a fazer naquele momento.”

Professores da educação infantil
Currículo e formação continuada dos professores

Entre os entrevistados, nota-se que há redes que investem e outras que não investem em formações e capacitações para os professores.

Para alguns, as formações alinhadas à BNCC foram somente uma apresentação sobre o documento, sem orientações práticas, e ainda assim estão sendo cobrados para que esses conteúdos estejam de fato nas salas de aula.

Alguns professores, independentemente do ciclo de ensino, explicaram que precisaram buscar formas de se atualizar e compreender sobre a BNCC e o novo currículo, sem suporte das redes.

Saiba mais:

“Muitos desses cursos são também ‘importados’ e não necessariamente revelam o dia a dia, o chão da escola e as necessidades cotidianas das crianças.”

Professores dos anos iniciais do ensino fundamental

“(…) nós temos os encontros com a coordenação pedagógica, os encontros com a coordenação setorial, e nós não abrimos mão da BNCC, não abrimos mão da formação continuada.”

Professores da educação infantil

“- (…) nós temos um curso básico para cada ano e que é realizado em formação continuada, é realizado no seu horário de trabalho. (…) Aqui a gente não sofre tanto com essa questão de formação.

Professores dos anos iniciais do ensino fundamental
Currículo e avaliação

A grande maioria dos docentes de Educação Fundamental concorda que tais avaliações estão alinhadas ao currículo, mas não às práticas em sala de aula, que precisam ser adaptadas às necessidades imediatas de seus alunos. Isso acontece com as avaliações externas tanto em nível nacional, quanto estadual e municipal. Já na educação infantil o acompanhamento das aprendizagens das crianças, tem outras características e que variam bastante entre redes de ensino e mesmo entre unidades escolares.

Alguns exemplos:

“A gente percebe esse distanciamento também nas avaliações diagnósticas que vem da rede. Nós preparamos as nossas dentro da realidade do aluno (…). Quando deparamos com aquelas que vêm da rede é um distanciamento enorme.”

Professores dos anos iniciais do ensino fundamental

“Existe uma avaliação municipal. Ambas estão alinhadas a BNCC. Elas são muito fora da nossa realidade, mesmo a municipal…”

Professores dos anos iniciais do ensino fundamental

“O acompanhamento é no dia a dia no desenvolvimento da criança na interação, a gente faz relatórios bimestrais no dia a dia mesmo com registros, é assim que é feito o acompanhamento com os alunos.”

Professora da educação infantil

“(…) no caso da escola que eu trabalho a gestão não acompanha muito essa questão de se a gente está cumprindo currículo ou não, porque eles são bem flexíveis, confiam no nosso trabalho deixam sempre claro isso.”

Professores da educação infantil
Participação na reelaboração dos elementos pedagógicos

Ao refletirem sobre seu envolvimento individual no processo de reelaboração dos elementos pedagógicos, os docentes de ensino fundamental declaram sentir-se preparados para ensinar o currículo, mas têm postura mais crítica quanto a oportunidades de participação nessa construção, à falta de autonomia e descontextualização ou inadequação desses elementos. Já na educação infantil houve maior participação dos profissionais, segundo os entrevistados.

“Essas formações (…) muito de cima para baixo, sem ouvir os professores, sem procurar saber a realidade, as necessidades da escola. Coincidindo inclusive de vir cursos de outros estados. É interessante, é bom a gente ter esse conhecimento, entretanto, não significa que vai dar certo no meu estado.”

Professores dos anos iniciais do ensino fundamental

“O nosso foi construído com toda a comunidade escolar, (…) então, tentou se fazer um documento onde as práticas fossem parecidas, respeitando a realidade de cada lugar,. (…) então ele foi totalmente construído com a participação da comunidade escolar sim.”

Professores da educação infantil

Diferenças entre depoimentos de professores de anos iniciais e anos finais do ensino fundamental

Os resultados da pesquisa quantitativa apontaram que os professores que lecionam para os anos finais foram mais críticos do que os de anos iniciais. Nem todos os professores souberam apontar motivos para essas diferenças, mas levantaram algumas hipóteses:

Nos anos iniciais…

… Professores são mais próximos dos alunos, o que permite melhor adequação do novo currículo à prática em sala de aula;
… Professores são polivalentes, o que propicia conhecer melhor a performance dos seus alunos, o que promove escolhas mais assertivas;
… Professores têm maior autonomia dos professores.

Nos anos finais…

… Alunos são menos envolvidos com os conteúdos ensinados em sala de aula e mais dispersos;
… Há menos apoio da equipe gestora; … Professores são mais “conteudistas”, o que os torna mais exigentes em relação aos materiais que utilizam.

Sobre a pesquisa

A pesquisa qualitativa foi realizada com grupos de discussão online em maio de 2022. Foram entrevistados 27 professores das cinco regiões brasileiras que lecionam em redes estaduais ou municipais de ensino para Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio.

Durante os diálogos foram coletadas informações espontâneas sobre as dimensões e, em seguida, apresentados resultados das pesquisas quantitativas para levantamentos das impressões sobre as respostas. De forma geral, o resultado da pesquisa quantitativa pareceu adequado para a maioria dos participantes, em todas as dimensões.

Os pesquisadores do Conhecimento Social responsáveis por esta pesquisa são: Ana Lúcia Lima, Fernanda Cury e Rildo Bicalho.

Leia as pesquisas quantitativas sobre coerência educacional nos links a seguir: