Redes de EI e EF

Colaboração entre municípios no Maranhão favorece a criação de um currículo do território

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Desde 2017, quando o texto da BNCC para a Educação Infantil e o Ensino Fundamental foi homologado, as redes de ensino estão mobilizadas para fazer com que o documento chegue às escolas e impacte o trabalho dos educadores e a aprendizagem dos estudantes. Já estão finalizados em todo o país os referenciais curriculares estaduais construídos em regime de colaboração com os municípios e, em grande parte do Brasil, os municípios também homologaram seus currículos. 

Na Bahia, por exemplo, mais de 400 municípios envolveram seus educadores em momentos formativos para que pudessem contribuir, mesmo que de forma remota, com os referenciais curriculares de suas redes – leia sobre esta experiência aqui.

No Maranhão, nove municípios que fazem parte do Arranjo de Desenvolvimento da Educação (ADE) dos Guarás aceitaram o desafio e dedicaram-se ao estudo da BNCC e à reflexão sobre as especificidades locais para criar um referencial curricular comum a esse território, conforme você lê a seguir.

A experiência do ADE dos Guarás

Desde 2014, os nove municípios que fazem parte do Arranjo de Desenvolvimento da Educação (ADE) dos Guarás, no Maranhão, trabalham coletivamente. Já construíram os Planos Municipais de Educação (PME) de forma conjunta, procuram executar políticas públicas em parceria e realizar encontros formativos para os Dirigentes Municipais de Educação (DME) e equipes técnicas em diversos temas.

Em 2020, encararam outro desafio: construir um referencial curricular comum para as redes que compõem o território, mesmo em um ano de novos limites e desafios impostos pela pandemia da Covid-19 e o uso das tecnologias para comunicação a distância. A construção do documento exigiu o estudo da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e do referencial curricular maranhense, além de um mergulho no diagnóstico educacional e nas especificidades locais dos participantes, que foram Apicum-Açu, Bacuri, Cedral, Central do Maranhão, Cururupu, Guimarães, Mirinzal, Porto Rico do Maranhão e Serrano do Maranhão. Com isso, as realidades das comunidades quilombolas, ribeirinhas, ciganas e praianas foram levadas em conta, incluindo variados aspectos econômicos – como a pesca, o extrativismo e a agricultura –, e os religiosos, com forte influência de matriz africana. “Consideramos que agora temos um currículo integrado e que representa o litoral ocidental norte do Maranhão”, diz orgulhosa Maria Gorethi dos Santos Camelo, assessora técnica do Ade e uma das redatoras do material.

Em maio de 2020 começaram as discussões dos 40 profissionais que construíram o currículo, com apoio do Itaú Social e parceria técnica da FGV (Fundação Getulio Vargas), e o texto foi finalizado em novembro do mesmo ano. Coube à FGV liderar os encontros formativos semanais em um Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA) e disponibilizar tutores para os grupos de trabalho organizados conforme componentes curriculares e segmentos de ensino. Cada grupo contou com profissionais de diferentes perfis, entre professores, gestores escolares, técnicos das secretarias, DME e especialistas convidados, que se comunicavam quase que diariamente para afinar o melhor caminho do currículo.

As percepções de um educador sobre o processo

Miguel Ângelo Costa Fonseca, professor de Língua Portuguesa no município de Cururupu, foi um dos profissionais que elaborou o currículo desse componente curricular para o ADE dos Guarás. Ele conta que o trabalho não foi fácil: exigiu muito comprometimento, horas de estudo durante todo o ano e disposição para aprender e compartilhar. Foi preciso fazer imersão profunda na BNCC e nas mais de 760 habilidades listadas para a Língua Portuguesa para então buscar suas relações com o território, além de procurar escrever um texto de assimilação simples pelos professores.

Em seu grupo de trabalho havia DME, gestores escolares e outros educadores, cada um de um município que compõe o ADE. “Descobri aspectos da nossa região que não conhecia, tanto de pontos comuns da cultura quanto de divergências no cotidiano e na linguagem. Sabíamos que o currículo precisava contemplar todas essas realidades, então foi necessária muita discussão e reflexão”, conta o educador com 22 anos de experiência em sala de aula. Foi preciso extrapolar os estudos da Língua Portuguesa para conhecer o que estava sendo discutido por profissionais responsáveis pelo material de outros componentes curriculares, já que as áreas se complementam e devem dialogar.

O processo também envolveu as memórias e um lado afetivo dos redatores do currículo, que precisaram recuperar a história de suas terras e reavivar o que parecia adormecido: sabiam que na construção do referencial curricular, o retrato do território deveria estar contemplado. “Em nosso percurso como estudantes e educadores não tivemos o incentivo para a valorização do que é próprio da identidade do litoral maranhense. Pela primeira vez estamos realizando o exercício de pensar o que deve ser incluído sobre a cultura e as vivências locais em um documento que pode influenciar os aprendizados de todos os estudantes, o que nos dá grande responsabilidade. A comunidade pode começar a reconhecer o seu valor”, afirma Miguel.

Trabalho coletivo e próximos passos

Gorethi diz que foi muito produtivo ter tido um grupo tão diverso de profissionais para elaborar o currículo: “No trabalho em parceria, o Dirigente ouviu o professor, gestores e especialistas argumentaram, e cada um contribuiu com diferentes conhecimentos e experiências. Tantas ideias e pontos de vista complementares deram origem a um texto que será importante para todas as redes e escolas”.

Para que o referencial curricular do território seja implementado, o próximo passo é realizar a homologação em cada município. Para isso, o ADE planeja recepcionar os novos gestores da educação que assumem em 2021, apresentar o trabalho realizado e impulsionar as equipes para que o currículo seja aprovado e seja implementado. Após disso, segundo Gorethi, haverá uma discussão conjunta para realizar a formação dos professores, a adequação dos materiais didáticos e a avaliação, e a revisão dos Projetos Político-Pedagógicos das unidades escolares. Dessa forma será possível ver o currículo impactar o trabalho pedagógico e a aprendizagem dos estudantes.