O início de 2023 marcou para o Tocantins a conclusão do processo de implementação do Novo Ensino Médio, uma jornada que começou em 2017, quando as equipes da Secretaria de Educação iniciaram o processo formação docente e organização dos itinerários formativos de acordo com a proposta do Ministério da Educação (MEC) para o ciclo final da educação básica.
Segundo Glauce Gonçalves da Silva Gomes, técnica pedagógica do Ensino Médio, embora tenha começado oficialmente em 2017, a proposta de renovação para essa etapa de ensino vem se desenhando desde 2012, quando a rede aderiu ao ProEMI (Programa Ensino Médio Inovador) e aos programas de fomento para escolas de tempo integral.
“Dizem que a mudança no Ensino Médio foi muito rápida, mas a verdade é que não podemos continuar fazendo educação como se fazia há 20 anos. Não era errado há 20 anos, era o adequado e o ideal para aquela época. Hoje, temos jovens com diferentes oportunidades e capacidade de empreender muito rápido, com mais possibilidades de crescimento profissional e, de repente, aquela escola de 20 anos atrás passou a não fazer sentido para eles”.
Veja também: Desafios e perspectivas: a construção do Novo Ensino Médio no Paraná
Veja também: Educação antirracista: o que é e como colocar em prática
Atualmente, a rede oferta uma Formação Geral Básica de 1.800 horas, de acordo com a instrução normativa, além de 1.200 horas distribuídas entre os itinerários formativos, que incluem projeto de vida, eletivas e trilhas de aprofundamento. O desenho da carga horária inclui eletivas semestrais a partir da 1ª série do Ensino Médio, trilhas de aprofundamento na 2ª e a 3ª série e projeto de vida que começa na etapa anterior, nos Anos Finais do Ensino Fundamental, e segue ao longo do Ensino Médio.
A rede conta com mais de 300 escolas de Ensino Médio, sendo que 117 delas oferecem alguma modalidade de ensino, como escola do campo, quilombola ou indígena. Nestas, os alunos fazem as trilhas formativas integradas desde a 1ª série do Ensino Médio, divididas em três módulos. “O estado possui um total de 17 trilhas aprovadas pelo Conselho Estadual de Educação e faz a integração de algumas delas para atender escolas que oferecem modalidades”, explica Glauce.
Com relação às eletivas, são oferecidas unidades curriculares de 40 horas, uma por semestre. Inicialmente foram definidas 13 opções elaboradas pela Secretaria de Educação e, atualmente, o Documento Curricular do Território do Tocantins (DCT) conta com mais de 200 eletivas que pode ser escolhidas pelas escolas. “Fizemos três cadernos de eletivas para que as diretorias regionais direcionassem a produção nas escolas, que já começaram a moldar sua forma de ensinar com essa adaptação do currículo”, pontua Glauce.
A visão dos estudantes sobre o Novo Ensino Médio
Para a estudante Gemima Moreira Brito Castro, do Colégio Estadual Joaquim de Sena e Silva, no município de Combinado, a 480 quilômetros de Palmas, as mudanças propostas pelo Novo Ensino Médio foram uma surpresa positiva em seu retorno aos estudos. Assim como milhares de jovens brasileiros, ela precisou deixar a escola na adolescência e, dez anos depois, voltou para concluir seu último ano letivo.
“Eu posso dizer, com toda certeza, que é bem diferente do que era quando eu parei de estudar. Quando eu retornei, eu achei difícil de entender. Havia mais aulas e novos formatos, mas de certa forma é muito bom. Antes, ao terminar o Ensino Médio, achávamos muito complicado pensar em uma faculdade, por exemplo. Era como uma bomba que caía no colo. Hoje não, pois nós somos orientados para seguir em frente com uma faculdade, ou um projeto pessoal ou até abrir o próprio negócio. Eu vejo que a escola está ajudando o aluno a ver a realidade que vai encontrar depois de se formar”, conta a estudante, que pretende entrar na faculdade de agronomia e depois empreender.
Dentro da proposta do Tocantins, ela escolheu a Trilha de Aprofundamento da Área de Ciências da Natureza e suas Tecnologias, com o tema Energias Renováveis, e atua junto com colegas e professores em projetos voltados ao meio ambiente e ao mundo do trabalho. Um dos destaques é a arrecadação de materiais recicláveis para a confecção de vassouras ecológicas, que são produzidas pelos próprios alunos e vendidas na comunidade e nas cidades vizinhas para angariar recursos para a escola. “A gente coloca o que aprende em prática. Outro ponto interessante é que os professores incentivam os alunos a seguirem em frente, investirem em seus sonhos e não pararem apenas no Ensino Médio”, destaca Gemima.
A trilha de aprofundamento é conduzida pela professora de Biologia Maria de Lourdes Lopes, que notou um grande avanço na relação dos alunos com a escola após o início da nova organização curricular. “Nosso trabalho começa no planejamento de aula, agregando mais atividades práticas diante do itinerário e do eixo que vamos trabalhar. Na trilha atual trabalhamos com foco na investigação científica, com módulos de legislação, sustentabilidade, meio ambiente e processos criativos. Tudo isso é conectado com as habilidades da BNCC. Os alunos, a princípio, ficaram em dúvida, mas depois começaram a ver as possibilidades desse projeto e passei a ver motivação neles”, explica.
Segundo a coordenadora pedagógica Elcy Graciano de Melo Antunes, a escolha dos itinerários foi pensada estrategicamente dentro da capacidade de oferta da escola. “Não implementamos nada que não tivéssemos estrutura para desenvolver. Tudo foi definido de acordo com nossa realidade. Além disso, trabalhamos as metodologias ativas e aulas práticas em todas as áreas do conhecimento, incentivando a criatividade dos alunos. Isso está dando muito resultado em nossa escola”, completa.
Processo de evolução
Segundo a técnica pedagógica, o Novo Ensino Médio no Tocantins não precisou passar por alterações quando o MEC congelou as ações para a implementação a nível nacional, em 2023. “Nós tínhamos uma necessidade anterior de reformular essa etapa de ensino, especialmente pelo excesso de estruturas curriculares vigentes até então, e o Novo Ensino Médio foi um ponto essencial para seguir com essas mudanças. Agora, aguardamos o processo seguir no MEC enquanto planejamos o chamado quinto itinerário, de educação profissional”.
A expectativa da rede é ofertar cursos técnicos dentro do ambiente escolar e de acordo com a necessidade de cada região do estado. “Estamos em diálogo com diversas instituições para oferecer curso técnico em escolas piloto, sem tirar os alunos do ambiente da escola, salvo para aulas práticas. Já temos tudo programado com um plano de curso aprovado pelo Conselho Estadual de Educação”, afirma Glauce.
Veja também: Conheça os indicadores da implementação do Novo Ensino Médio no Tocantins
Veja também: Ensino Médio no Pará: avanços e desafios
Formação de professores e desafios da proposta
Por ter sido iniciada ainda no período de isolamento da pandemia de coronavírus, a formação de professores para o Novo Ensino Médio no Tocantins aconteceu majoritariamente através de encontros online. “Quando voltamos ao presencial, passamos para uma etapa de convencimento, porque nem todo mundo tinha um olhar aberto para o novo currículo. Muitos questionaram as mudanças da carga horária e o remanejamento de aulas, com críticas também aos itinerários formativos”, relembra Glauce. Para isso, a rede investiu na multiplicação de formadores e agora planeja um evento de grande porte para reunir representantes de todas as escolas.
Segundo Glauce, a formação por área de conhecimento favorece o aprimoramento para o que é necessário na realidade atual dos estudantes. “Não é deixar de lado o contexto da educação feita até aqui. Mesmo que o currículo não preveja sociologia ou filosofia na 3ª série do Ensino Médio, por exemplo, o professor pode criar uma eletiva para trabalhar com os alunos esses componentes, usando as informações que temos na BNCC [Base Nacional Comum Curricular], que detalha as habilidades e as competências que o aluno precisa desenvolver em cada série. Não é inventar conteúdo, é se desafiar a usar esses recursos de um novo modo”.
Ela diz ainda que a formação inicial dos professores na região também está se adaptando à nova realidade, com licenciaturas que privilegiam as metodologias ativas e a integração dos conhecimentos, sem tratar os componentes curriculares de maneira estanque. “Os professores mais jovens têm mais facilidade para esse formato, mas precisamos ainda trabalhar os demais professores para compreender essa necessidade de adaptação”.
Outro ponto de atenção do Tocantins é a busca de recursos para a continuidade das atividades iniciadas no período de implementação do Novo Ensino Médio. Glauce afirma que as redes receberam recursos federais para iniciar as propostas, mas as verbas não preveem a continuidade do processo, dificultando a manutenção das inovações.
“Entre o ideal e o real, há dificuldades. Hoje, por exemplo, não temos condições de oferecer todas as trilhas de aprofundamento em todas as escolas, pois isso demandaria muito recurso financeiro. Mas, considerando o histórico da oferta de ensino no estado, sabemos que avançamos muito. Não temos mais falta de vagas como há anos, aprimoramos o documento curricular e sua implementação. Sabemos, sobretudo, que o estado tem responsabilidade de criar meios e condições para aprimorar as formações e avançar mais”, completa.