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[Análise] O que a pandemia nos ensina sobre a relevância dos Campos de Experiências da BNCC?

Ações na pandemiaAnálises e contextosEducação Infantil

Por Beatriz Ferraz, sócia e diretora da Escola de Educadores, diretora pedagógica da Escola de Educação Infantil Global Me

A proposta da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) da etapa da Educação Infantil inova em sua proposição de arranjo curricular organizado por Campos de Experiências. E está fundamentada nos conceitos, princípios e concepções já promulgados nas Diretrizes Curriculares Nacionais da EI (2009)[1] e nas pesquisas e experiências recentes que nos trazem elementos para considerar uma prática pedagógica de qualidade junto às crianças.

O conceito de experiência implícito na proposição deste novo arranjo se diferencia de uma compreensão superficial ao agregar dimensões fundamentais, baseadas na obra de John Dewey, que concebe a experiência educativa envolvendo interação, continuidade e, ao mesmo tempo, promotora do desenvolvimento do sujeito em um contexto que conecta a experiência pessoal com a aprendizagem. Segundo Dewey, “Nós não aprendemos pela experiência… nós aprendemos refletindo a partir da experiência”[2].

Um planejamento curricular que considera a experiência no centro de suas tomadas de decisões convida o professor a conceber contextos de aprendizagens nos quais considera a experiência singular de cada criança ao mesmo tempo em que promove contextos nos quais essa experiência possa ser comunicada, partilhada com professores e outras crianças. E,  nesse movimento entre o singular e o grupo, entre a dimensão individual e a pública e coletiva, possa oportunizar a coconstrução de conhecimentos a partir das interações.

O professor é aquele que dá voz ao grupo por meio de um processo pautado na Pedagogia da Escuta, na metodologia da documentação e em uma didática participativa[3]. Ele media, oferece ferramentas e contextos, observa, documenta, analisa, interpreta, reformula e relança, sistematiza e retoma em uma constante reflexão sobre como apoiar, cada criança e o grupo, em suas aprendizagens, garantindo seus direitos e objetivos de aprendizagem e desenvolvimento.

No contexto provocado pela pandemia as dimensões fundamentais da experiência no âmbito da aprendizagem escolar ficaram prejudicadas. As interações e os contextos de aprendizagem intencionalmente elaborados pelo professor com a intenção de promover experiências e aprendizagens a partir da reflexão sobre as mesmas em um processo contínuo, que envolve a ampliação e aprofundamento, ficaram restritas a uma comunicação on-line que promove uma interação real no tempo mas não no espaço ou na possibilidade de contar com uma partilha genuína com os familiares.

Esse não foi um motivo que fez com que os professores do nosso Brasil deixassem de pensar alternativas para que as crianças pudessem continuar vivendo experiências positivas e até mesmo tendo a oportunidade de aprender refletindo a partir de suas experiências. Partindo de um dos princípios que fundamentam a proposta de organização curricular pela BNCC da etapa da Educação Infantil, a escola deve conceber seu cotidiano e práticas pedagógicas como oportunidade para que as crianças possam aprender a viver a vida e, nesse desafio, compartilha com as famílias e responsáveis essa responsabilidade. Francesco Tonucci[4] , pensador e pedagogo italiano, nos chama atenção para a ideia de que, neste contexto em que estamos vivendo, é importante deixar as crianças no papel de filhos e os pais no papel de pais, compreender a casa como um laboratório da escola e os adultos como assistentes dos professores, potencializando e valorizando as experiências que fazem parte do cotidiano familiar, tendo clareza que a diferença é que na escola os contextos e as aprendizagens são intencionais e relativos à coletividade.

Como podemos apoiar os familiares a organizar contextos cotidianos como refeição, banho, sono, descanso, brincadeira livre, leitura de história, fazer algo junto, em vivências potencializadoras de experiências? São muitos os relatos de professores que nos contam com surpresa e, ao mesmo tempo, com orgulho e satisfação a oportunidade que tiveram de fortalecer os vínculos com as famílias e, por meio de um diálogo, de uma escuta atenta e responsiva, apoiar vivências em casa e ajudar os pais ou responsáveis a reconhecerem o potencial das crianças para aprender e como elas aprendem em contextos de garantia de seus direitos.

Apresento a seguir o que pude aprender a partir do relato de três educadoras ao participar do Seminário O Infantil é fundamental[5]

Cito aqui a professora Conceição Carvalho, do município de Roseira (SP), que partilhou suas iniciativas e aprendizagens na relação com os familiares de seu grupo de berçário. Conceição nos conta que esse foi um momento para resgatar a sua certeza de que a escola não caminha sozinha, que a relação com as famílias é fundamental e que seria por meio delas que ela poderia se fazer presente às crianças e as crianças a ela. Por meio de ligações telefônicas pôde escutar as angústias e os desafios dos familiares oportunizando contextos de orientações sobre o desenvolvimento infantil, a importâncias das interações de qualidade para promover aprendizagens e, ao mesmo tempo, aprender mais sobre cada criança e acompanhar, pela voz de seus familiares, suas aprendizagens e conquistas de desenvolvimento.

Também podemos aprender com a experiência da professora Adriana Santos, do município de São Bento do Sapucaí-SP, que se colocou o desafio de refletir sobre como considerar as oportunidades que as crianças vivem em suas casas no dia a dia, aprendendo sobre suas realidades e criando condições para que pudessem, a partir de suas vivências, elaborar brincadeiras de faz de conta. Com orgulho, Adriana nos relata a possibilidade de conhecer outros mundos, o quintal das crianças e, por meio de ligações telefônicas ou por vídeo chamada, estabelecer uma conexão com cada uma, oportunizar a conexão entre elas e, assim, dar continuidade à experiência de pertencimento a um grupo de aprendizagem, de amizades e relações construídas.

Por fim, destaco a experiência de Luciana Gouvea Gaspar, coordenadora pedagógica do município de Ubatuba-SP, que uniu seu grupo de professoras na busca de soluções diversas que pudessem alcançar a pluralidade de famílias e crianças. Entre uma das ações que Luciana destaca está a Busca Ativa para garantir os direitos de aprendizagem e desenvolvimento das crianças. A mensagem que Luciana e sua equipe construiu junto com os familiares refere-se à importância de manter viva a memória das experiências de aprendizagem das crianças no ambiente escolar e meios para que pudessem, juntas, escola e família, garantir às crianças que a escola e todo o significado e relações construídos em torno dela não desapareceram.

[1] BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Diretrizes curriculares nacionais para a educação infantil. Brasília: MEC/SEB, 2009.
[2] DEWEY, J. Como pensamos. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1959.
[3] RINALDI, Carla. Documentação e avaliação: qual a relação? In. Tornando visível a aprendizagem: crianças que aprendem individualmente e em grupo. Coleção Reggio Emilia. Editora Phorte, 2014.
[4] TONUCCI, Francesco. Consejos del pedagogo Francesco Tonucci para educadores y padres de familia en esta cuarentena. Disponível aqui. Acessado em 6 de outubro de 2020.
[5] O Infantil é Fundamental. 9o. Seminário de Educação Infantil do Vale do Paraíba. FLUPP e Escola de Educadores. Outubro 2020.

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