Promover uma jornada completa para a educação básica passa, necessariamente, pelo desenvolvimento socioemocional dos estudantes, e não apenas pelo seu desempenho cognitivo e acadêmico. Essa foi uma das principais tônicas do primeiro Papo de Base do ano, evento organizado pelo Movimento pela Base para debater os desafios da educação no Brasil. 

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E para falar mais sobre como isso pode acontecer na prática das escolas, o evento contou, dentre outros destaques, com palestras de Cláudia Donegá, gestora de projetos do Instituto Ame Sua Mente, e Anna Penido, Diretora do Centro Lemann de Sobral, que falaram sobre o papel da educação socioemocional na formação de estudantes e professores.

Em sua apresentação, Cláudia destacou algumas iniciativas que incentivam a formação de professores e ajudam as escolas a endereçar o tema da saúde mental de maneira mais efetiva e pontuou quão estratégico pode ser esse trabalho. “Se a gente der letramento para os educadores sobre saúde mental, eles vão ficar mais fortalecidos, a escola muda, o desempenho muda, a conduta muda. As questões socioemocionais de fato impactam”.

Contudo, ela diz que ainda há um receio de que essa abordagem ultrapasse os limites da escola. Nesse sentido, Claudia explica que, na verdade, não se trata de ampliar a carga de trabalho docente, mas sim de entender que o desenvolvimento socioemocional afeta diretamente a vida escolar:

Não queremos onerar o professor, não queremos transformar os educadores em psicólogos ou psiquiatras, nós queremos fundamentar com ciência situações seguras para que eles possam identificar, fazer manejo simples e encaminhar adequadamente os casos.

Para que isso aconteça, ela defendeu a necessidade de formação adequada aos docentes, que possibilitem à escola ser esse lugar privilegiado para uma nova cultura de saúde mental. “Quando a gente fala em nova cultura, é pensar em promoção da saúde mental, em prevenção dos transtornos e, especialmente, combate aos estigmas, que é transversal a tudo isso”.

Conhecimento, formação de educadores e informação é o que vai dar força e possibilidade de lidar com esse tema de uma nova forma. Mas não podemos banalizar, e sim ter um olhar atento, cuidadoso, não para as doenças, mas um olhar de fato acolhedor para o outro. Ter esse olhar humanizado sobre as famílias, os alunos, sobre nós mesmos e sobre o nossos colegas já é terapêutico, pois evita a estigmatização.

Ela incentivou ainda a criação de ações de diálogo entre pares, que têm o poder de contribuir para que a escola seja um espaço de escuta, acolhimento e comunicação não violenta. 

Quando você conversa com alguém e se abre, isso pode ajudar muito. Mas como fazer isso? Em reuniões organizadas entre educadores, orientadas por psicólogos da escola e estimuladas pelos gestores. Esses espaços que são conciliados à rotina e trazem a voz de cada um dos educadores têm um efeito muito potente. São espaços que nós deveríamos sistematizar e cuidar para que eles ofereçam de fato respostas entre pares.

BNCC e desenvolvimento socioemocional

Anna Penido, por sua vez, abordou em sua palestra a relação entre a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e o desenvolvimento socioemocional, especialmente no que se refere às competências gerais e à necessidade de que elas sejam consideradas nos currículos:

A gente precisa entender o currículo como algo contextualizado no tempo e no espaço. Claro que falamos muito de contextualização no espaço, de ter o colorido, as temáticas e os conteúdos de cada lugar sendo abordados na escola, mas a gente precisa também entender as questões do tempo, e desenvolver conhecimentos, habilidades, atitudes e valores nessas novas gerações para que elas estejam mais aptas para lidar com o contexto da contemporaneidade.

É claro que a gente quer que todo mundo aprenda a ler, escrever, se comunicar, ter pensamento crítico etc., mas há coisas que talvez alguns anos atrás não fossem importantes e agora se fazem prioritárias. Precisamos ensinar essas coisas na escola, ensinar as crianças, adolescentes e jovens a lidar com suas emoções, com sua saúde, seu bem-estar, e com a saúde e o bem-estar do outro. Também a lidar com as incertezas e as volatilidades do mundo no qual a gente vive, a lidar com os grandes problemas e desafios que estão postos na nossa sociedade.

Nesse sentido, ela defendeu uma jornada completa na educação básica para todos os estudantes com a oferta das dez competências gerais no currículo, de forma integrada ao chamado conteúdo tradicional, e não apenas em aulas específicas ou opcionais.

O currículo precisa se atualizar e é por isso que a BNCC traz essa concepção de educação integral. O intelectual continua sendo absolutamente importante, mas para além do acadêmico, precisamos desenvolver competências sociais, emocionais, culturais, físicas, corporais. A gente precisa entender como a escola vai se capacitando para ser esse espaço de educação multidimensional, sem a dicotomia do que é educação de casa ou da escola.

Ideias práticas para desenvolver as habilidades socioemocionais 

Para fortalecer a capacidade de crianças, adolescentes e jovens de lidar com questões mais subjetivas, Anna destaca três das dez competências gerais da BNCC: Autoconhecimento e Autocuidado; Empatia e Cooperação; e Responsabilidade e Autonomia.

Essas competências podem ter um espaço cada vez mais relevante dentro da escola para realmente formarmos pessoas que sejam não só capazes de cuidar melhor da sua própria saúde mental, mas mitigar os fatores que geram problemas mentais para outras pessoas e para o coletivo. A primeira coisa a fazer [para colocar isso em prática] é olhar os componentes curriculares e entender como eles próprios são alavancas para trabalhar com essas competências gerais.

Veja sugestões de Anna Penido para trabalhar as competências gerais nos diversos espaços e componentes curriculares:

  • Que tal buscar diferentes gêneros da Literatura que possam discutir essas temáticas para além da compreensão e interpretação do texto? Ao fazer isso, pode-se analisar os temas e como as personagens estão refletindo sobre si ou passando por situações difíceis e que podem, através dessa discussão, empatizar com a realidade dos estudantes. O mesmo pode acontecer com textos sobre os problemas da sociedade e como podemos também intervir sobre eles.
  • Já nas aulas de Ciências Biológicas em que vai ser falado sobre o corpo humano, sobre o cérebro, sobre as reações, as doenças, a saúde e o autocuidado é possível inserir uma discussão sobre saúde mental, mostrando que muitas vezes ela se agrava, por exemplo, por conta do uso de substâncias psicoativas, drogas, álcool, ou situações em que a gente se coloca em contextos de muito estresse. Nas aulas de ciências é possível aprender ainda sobre a mente e as emoções do ponto de vista científico, do ponto de vista do corpo humano, com todos os seus componentes e todas as suas reações.
  • Nas aulas de História, Geografia e Ciências Humanas e Sociais pode-se falar sobre conflitos e sobre como mitigá-los, não apenas aqueles conflitos sociais que estão fora da escola, mas também aqueles que aparecem dentro do espaço escolar.
  • Na Educação Física, além dos esportes, também é possível trabalhar o bem-estar do corpo, pois quando trabalhamos a questão corporal, a mente também fica emocionalmente mais relaxada, mais potente e afiada. É possível buscar atividades que ajudem a despertar os hormônios do bem-estar, por exemplo.
  • Já nas aulas de Arte, é possível incentivar a fala sobre os sentimentos por meio da expressão artística, seja com desenho, pintura, teatro, dança e outras artes. No teatro, por exemplo, os estudantes podem se conectar às emoções de uma personagem e avaliá-la diante de suas próprias emoções.
  • Outro espaço escolar que pode contribuir com o desenvolvimento socioemocional são os grêmios estudantis, que podem ser preparados para se tornar espaços de promoção de saúde mental e acolhimento para os alunos. Isso porque às vezes os estudantes não conseguem falar com um profissional, mas podem se abrir com um colega, que poderá encorajá-lo a procurar um adulto de referência.
  • E, para todos os componentes, é possível utilizar o trabalho em grupo para promover essas competências. De acordo com Anna, esses momentos são uma espécie de laboratório para os alunos vivenciarem situações de convivência e perceberem como se comportam, se comprometem, se sentem inibidos ou cooperativos, por exemplo, assim como é possível entender a responsabilidade de cada um junto a seus pares.

Há mil coisas para gente fazer dentro dos nossos planos de aula normais que vão trabalhar a saúde mental e as competências gerais de maneiras muito interessantes e simples. Não precisa de nenhum recurso extraordinário para além da sala de aula e do trabalho com os componentes curriculares para trabalhar o bem-estar, as emoções, a cooperação e os projetos nos quais os estudantes podem intervir na sociedade para melhorá-la, tornando-a mais acolhedora e menos fonte de sofrimento.

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