Na Base Nacional Comum Curricular (BNCC), a consciência socioambiental é citada em competências específicas de áreas de Ciências da Natureza, Ciências Humanas, Linguagens, e também na Competência Geral 7, relacionada à argumentação (veja mais no quadro abaixo).  Ela estimula uma consciência crítica sobre os problemas ambientais e sociais e uma compreensão mais integrada do meio ambiente para além dos aspectos ecológicos (leia sobre educação ambiental neste texto). 

Mais do que um tema para ser levado para a sala de aula, Educação ambiental extrapola o ensino de um conteúdo e implica, muitas vezes, em uma mudança de comportamento na formação do indivíduo. “Quando falamos de aprendizagem atitudinal, não é com uma aula ou uma ação que se aprende. São conhecimentos que você  constrói ao longo da escolaridade”, explica Fabrício Cruz Florêncio da Silva, docente que integra a Coordenadoria de Formação de Professores da Secretaria de Educação de Santos, em São Paulo, e é participante do Grupo de Embaixadores da BNCC desde 2021.

Em Santos, Fabrício e a formadora Ana Paula dos Santos têm usado práticas e procedimentos de investigação – que também constam entre as competências gerais da BNCC – para estimular que escolas incluam a Educação ambiental e o estudo do meio com alunos, desde a Educação Infantil até os anos finais do Ensino Fundamental. A proposta nasceu a partir de um projeto chamado Santos à Luz da Leitura, que incorpora formas de letramento diversas, incluindo a questão do território e de como a cidade pode ser lida. “Achamos que são muitos ganhos em uma perspectiva investigativa, porque para além de aprender sobre o conteúdo trabalhado, há aprendizado sobre procedimentos e também sobre atitudes necessárias em relação a esse ambiente”, diz Fabrício. 

O trabalho em parceria entre a secretaria de educação de Santos e a escola

Em 2022, a dupla desenvolveu duas sequências didáticas dentro do projeto, propondo um trabalho colaborativo entre o professor da sala de aula e a Coordenadoria de Formação para estudar o meio. A secretaria apoia o docente na implementação da sequência didática de forma individualizada. Após os professores da rede demonstrarem interesse no projeto, a Secretaria apresenta a sequência didática e explica a proposta, que é dividida em três etapas: 

  • A primeira acontece com o professor regular da turma, dentro da própria escola, em que os alunos fazem contato com o tema e iniciam seus procedimentos exploratórios. É possível adaptar a sequência para as necessidades da turma, mas é incentivado que seja um trabalho investigativo. 
  • Em um segundo momento, os alunos passam por rotações por estação na praia, onde podem ver e ter contato com o que foi estudado. 
  • Por fim, a conclusão da sequência se dá no retorno para a escola, com mais atividades e a sistematização do que foi aprendido. 

As sequências didáticas propostas para a Educação Infantil e o Ensino Fundamental em Santos

O uso do meio como ambiente de investigação fortalece a proposta para que ela não se torne apenas um passeio. Os alunos são preparados antecipadamente, levantam perguntas para discutir na praia e têm oportunidade nas estações rotacionadas de observar a paisagem e os elementos naturais, refletir sobre a interferência da cidade no ambiente e até mesmo comparar o cenário atual com imagens antigas do local. 

Veja também: Recomposição das aprendizagens em Sua Mennucci (SP)

Veja também: Avaliação da fluência leitora para turmas de alfabetização

Nos anos iniciais, a proposta se inicia com a leitura de um livro literário sobre oceanos e segue na praia refletindo sobre as marés, brincando de jogos que exploram a cadeia alimentar e o equilíbrio dos ecossistemas e têm a possibilidade de comparar amostras de sedimentos de diferentes praias do Brasil. Com os anos finais, são investigados o zoneamento do costão rochoso e os seres vivos de uma ilha próxima à praia (quando a maré permite, os alunos vão até ela), é feita coleta e discussão sobre os resíduos (naturais e de lixo) encontrados pela areia e os estudantes são provocados a pensar sobre o entorno da praia urbana – como, por exemplo, os prédios afetam a circulação do vento e a luz solar.

Apesar das sequências terem sido criadas para os alunos do Ensino Fundamental, também há uma adaptação de atividades para a Educação Infantil. “Com os menores trazemos uma proposta mais sensorial, com a sensibilização que envolve ações como pegar na areia, entender os barulhos, sentir a temperatura das diferentes camadas de areia”, conta Ana.

Apesar de morarem em uma cidade de praia, muitos alunos não costumam frequentá-la ou mesmo não a conhecem. Além de trabalhar a democratização da ocupação do espaço público e a identidade com o território, eles podem entender como a dinâmica da praia também impacta a vida nas periferias e no interior do continente.

E, se para parte dos alunos essa é uma experiência inédita, para muitos professores também o é. Não só pela parceria com docentes de outras escolas, como também por trabalhar com procedimentos de investigação. “É uma experiência para alguns professores que não têm essa abordagem, mas que querem repensar a proposta da sua aula e que podem, por meio do projeto, ter contato com uma nova opção”, avalia Fabrício. 

Impacto do meio na aprendizagem no Pará

O naufrágio do navio Haidar com cinco mil bois vivos e 700 toneladas de óleo no ano de 2015 causou um desastre ambiental e social para a região de Barcarena, no Pará. Animais morreram, praias foram interditadas, atividades de sustento – da pesca familiar à exportação – foram prejudicadas. “Depois do naufrágio, 200 cabeças de bois ficaram flutuando nos rios, próximos das nossas escolas”, relembra Ivana Ramos, secretária municipal de Educação de Barcarena em entrevista ao Movimento Pela Base

Para o município de cerca de 130 mil habitantes, a questão ambiental permeia diretamente a realidade local: cercada por áreas de florestas, rios e mares, Barcarena também é polo industrial de alumínio. “Quem mora na Amazônia sabe que costumamos dizer que ‘esse rio é minha rua’. Realmente, nós vivemos em função dos rios, nos transportamos e nos alimentamos através deles”, diz Ivana. “São 110 escolas que pautam suas ações nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) por entendermos que é através do hoje que nós transformamos o amanhã”. 

Cultura oceânica, lixo e clima são alguns dos assuntos trabalhados com frequência desde 2013. “Todo dia estamos trabalhando para conscientizar a comunidade escolar. Trabalhamos com projetos em rede e vamos adaptando para a nossa realidade na escola de forma interdisciplinar”, relata Lene Checrala. “Quando vemos a mudança de conduta dos nossos alunos é muito gratificante porque percebemos que estamos atingindo nossos objetivos, já que é uma mudança que exige o engajamento de todos”.

O elemento regional possui um papel estratégico para trabalhar a consciência ambiental, uma vez que estudando o meio, o aluno passa a conhecer mais da realidade e do local em que vive para atuar de maneira mais consciente nele. Mas não apenas os alunos. “A safra do açaí, a baixa do rio e outros fatores e necessidades afetam a permanência dos estudantes nas escolas. Por isso, temos desenvolvido também um projeto de longo prazo com metas simples para acesso e permanência dos alunos, além de um acompanhamento escolar mais individualizado”, conta a secretária Ivana. Assim, as características regionais orientam também políticas educacionais locais.

O que é a Competência Geral 7 da BNCC?

Argumentar com base em fatos, dados e informações confiáveis, para formular, negociar e defender ideias, pontos de vista e decisões comuns que respeitem e promovam os direitos humanos, a consciência socioambiental e o consumo responsável em âmbito local, regional e global, com posicionamento ético em relação ao cuidado de si mesmo, dos outros e do planeta. Aqui o destaque é para a capacidade de construir argumentos, conclusões ou opiniões de maneira qualificada e de debater com respeito às colocações dos outros. Ela inclui a consciência e a valorização da ética, dos direitos humanos e da sustentabilidade social e ambiental como referências essenciais no aprendizado dessa competência para orientar o posicionamento dos estudantes. 

 

Crédito das fotos: Valéria Vegas, Ana Paula dos Santos e Ana Cristina dos Santos

Últimas