O ano de 2022 é um marco na implementação do Ensino Médio no país. De acordo com o cronograma estabelecido pelo Ministério da Educação (MEC), é o momento de as redes estaduais iniciarem com o formato do Novo Ensino Médio para as turmas dessa etapa. A rede estadual de São Paulo é pioneira em relação a essa iniciativa: foi a primeira a ter seu currículo de Ensino Médio homologado, em julho de 2020, ano em que apenas o Distrito Federal também conseguiu aprovar seu referencial. 

Pela nova proposta, os estudantes do Ensino Médio têm a formação dividida em dois blocos principais: a Formação Geral Básica e os Itinerários Formativos. O primeiro bloco é fixo, concentrando-se nos componentes curriculares  das quatro áreas do conhecimento – Linguagens e suas Tecnologias, Matemática e suas Tecnologias, Ciências Humanas e Sociais Aplicadas e Ciências da Natureza e suas Tecnologias.

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Já os itinerários formativos prevêem uma nova possibilidade de aprofundamento curricular partindo dos interesses dos alunos em uma das quatro áreas citadas acima, podendo também escolher por uma formação técnica atrelada ao Ensino Médio. A escolha de qual área será aprofundada depende do projeto de vida do aluno, mas sobretudo da oferta e da estrutura de cada escola. Além disso, o formato em São Paulo inclui disciplinas eletivas, que completam a grade de aulas de acordo com a oferta da escola e podem acontecer de forma presencial ou remota.

Para auxiliar na implementação dos aprofundamentos curriculares, a rede paulista desenvolveu o Material de Apoio ao Planejamento e Práticas do Aprofundamento (MAPPA), que funciona como um guia e instrui os docentes sobre como montar cada aula dos itinerários, indicando também os materiais adicionais que podem ser oferecidos aos alunos, como vídeos, atividades e textos complementares.

Seguindo a proposta de implementação, a rede paulista iniciou o Novo Ensino Médio em 2021 com turmas de 1º ano – antes do prazo limite indicado pelo MEC. Nessa etapa, os alunos passaram a ter os conteúdos da formação geral básica e a possibilidade de escolher uma carga horária de aulas eletivas, de acordo com a oferta de suas escolas. Os itinerários formativos, por sua vez, começaram em 2022 com a escolha aberta apenas aos alunos do 2º ano do Ensino Médio. Para 2023, a previsão é que a escolha chegue também aos alunos do 3º ano.

Para os mais de 1,5 milhão de estudantes paulistas, as novidades são muitas e nem sempre fáceis de assimilar. Além disso, as realidades das mais de 4 mil escolas que oferecem essa etapa de ensino são variadas e os desafios encontrados pelos cerca de 250 mil professores também, apresentando dificuldades para todos nessa fase de transição, assim como em outros estados. Mas já é possível notar avanços e caminhos. Conversamos com três professores da rede estadual que lecionam Biologia, Química, Educação Física e Matemática, além dos Itinerários Formativos, que nos contaram sobre o envolvimento e desempenho dos estudantes no final do primeiro semestre de 2022, conforme você lê nesta reportagem.

Novo Ensino Médio em fase de adaptação

Encontrar um ponto médio entre as dificuldades do retorno ao presencial e o desejo de dar mais protagonismo aos alunos tem sido a tônica do professor Leonardo Augusto de Lima, que atua no componente de Matemática na Escola Estadual Maria Aparecida Felix Porto, em Guarulhos, na Grande São Paulo. “Com toda a bagagem que tivemos nos últimos dois anos, que foram totalmente desafiadores para a gente, temos mais  jogo de cintura. Estamos em um momento de mudança que veio em meio à pandemia e que já causava defasagens, mas, mesmo assim, a interação com os alunos tem sido bem positiva”, destaca.

Com aulas tanto para o Ensino Médio regular quanto na Educação de Jovens e Adultos (EJA), ele atua com itinerários formativos no campo da Física, sendo um deles sobre fenômenos físicos e interpretações gráficas e outro sobre dinâmica, estudo do movimento e cinética. “Acho que o aluno tem menos resistência quando levamos um conhecimento mais prático, que não se resume a números, algo que acontece muito em Matemática”, observa. 

Em sua escola, os itinerários foram reservados para acontecer às segundas-feiras e permitem a integração das diferentes turmas de 2º ano, possibilitando uma composição de grupos nova tanto para alunos quanto professores. “A organização das aulas me lembra muito o cubo mágico, em que é preciso fixar alguns blocos para definir os demais. Ao definir o dia dos itinerários, foi mais fácil fixar os horários dos professores para as outras aulas e isso nos ajudou na proposta”.

Para ele, os itinerários reforçam a ideia de que o sistema escolar precisa funcionar em união pelo coletivo dos docentes. “Mesmo que não seja possível cruzar cotidianamente com os professores dos demais componentes por causa dos horários, sempre há um ponto da semana em que nos encontramos para pensar no coletivo, entender em que os alunos conseguiram avançar. É um pouco trabalhoso, por causa de prazos, mas conseguimos tirar dúvidas sempre que possível”.

Leonardo ressalta ainda que a possibilidade de uma aula mais dinâmica e pautada em problemas práticos tem ajudado os alunos a se atraírem mais à escola. “Eu percebo que desse modo a aula é mais produtiva. O aluno não só reproduz o que eu falei, mas constrói seu pensamento a partir do conceito. Antes ele conseguia decorar a fórmula, mas não o conceito, não entendia o pensamento por trás. Se você leva essa forma de ensinar para o dia a dia das aulas,  é possível ver o impacto na interpretação de problemas pelos estudantes e até nas provas, com uma melhor percepção dos fenômenos”, pontua.

Já no caso das disciplinas eletivas, a escola optou por oferecer em formato online e no contraturno, tanto na EJA quanto no ensino regular. Nesse formato, os alunos podem escolher as aulas eletivas dentre um leque de mais de 20 opções. “Não havia espaço para oferecer todas elas de forma presencial, ainda que exista a necessidade de priorizar os encontros na escola”. 

A tônica das primeiras aulas letivas do ano foi o jogo de cintura, quando foi necessário retomar com os alunos os objetivos de cada itinerário e ajudá-los a se situar no retorno totalmente presencial. “Quando a escolha dos itinerários foi feita, as aulas estavam em formato semipresencial e muitos alunos só foram conhecer as mudanças este ano. Para eles, escolher uma disciplina foi totalmente novo. Acho que está sendo um momento de descobertas”.

Para o educador, a maior dificuldade é causada pelo reflexo da pandemia, que afeta não só os conteúdos, mas também o relógio biológico, social e pessoal dos indivíduos. “É um desafio, não um defeito. A adaptação, não só dos alunos, mas também dos profissionais, aparece como desafio, mas a verdade é que precisamos nos adaptar, porque a vida se adapta também. Como vantagem, eu percebo que a junção entre matérias torna mais plausível o conhecimento. Antes, pensávamos que o aluno que sabia de Português odiava Matemática, ou o oposto. Mas quando ele começa a entender que tudo está conectado a um mesmo conhecimento, seu aprendizado fica mais orgânico”, completa.

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Foco em projetos inovadores que impactem os alunos

Para a educadora Jackelyne Rodrigues Souza, docente de Ciências, Biologia e Química na Escola Estadual Doutor Luiz Adail Miller, em São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo, uma das grandes expectativas de 2022 era colocar em prática a realidade do Novo Ensino Médio apresentada nas formações que ela participou no ano anterior junto à rede e à escola. “O começo foi um grande desafio. Fizemos cursos, mas a expectativa do professor é sempre colocar em prática. E mesmo com cursos e mais cursos, a prática é bem diferente”, afirma.

Em sua escola, a mudança foi complementada com mais uma grande novidade, pois além do Novo Ensino Médio, passou a trabalhar também com aulas em tempo integral, ampliando a carga horária das turmas para sete horas diárias. “Também foi um desafio para os alunos entenderem o funcionamento sobre o que mudou, o que é um itinerário, porque eles deixaram de ter as disciplinas organizadas como antes e começaram a ter novas aulas”, explica.

Parte dessa incompreensão ela credita à fase de retorno presencial após o período de isolamento da pandemia, que prejudicou a comunicação com os jovens e dificultou uma explicação mais detalhada sobre as possíveis escolhas que poderiam fazer em relação às aulas eletivas e aos itinerários. “Este ano, ainda vemos uma dificuldade generalizada para eles entenderem comandas básicas, como as instruções para as atividades e para organização das aulas. Mas percebemos que em breve estarão mais preparados para fazer suas escolhas de forma consciente, pois já receberam um material explicativo mais completo da escola sobre o novo formato”.

Nas turmas em que Jackelyne leciona, as aulas eletivas são oferecidas a todos às quintas-feiras, com um total de dez opções de cursos. Já os itinerários começam no 2º ano do Ensino Médio, seguindo a orientação da rede. Além dessas duas mudanças, os alunos já vinham trabalhando anteriormente com o projeto de vida, que também faz parte da oferta para esse segmento e que na rede paulista é iniciado a partir do Ensino Fundamental. 

Ela explica que, por ser uma escola em tempo integral, os alunos contam ainda com uma aula semanal de tutoria, feita pelos próprios docentes e que os auxilia a pensar em seu projeto de vida e a compreender as mudanças no ciclo. “As tutorias encaminham os alunos para um desempenho acadêmico de excelência, mas orientado a partir do projeto de vida”.

Tanto nas eletivas que leciona quanto nos itinerários formativos, a docente tem buscado projetos inovadores que ajudem os alunos a desenvolver o protagonismo e a compreensão da importância sobre os estudos para além dos conteúdos. “A interdisciplinaridade é muito complexa, especialmente para o aluno. Por isso, eu busco explicar que tudo o que eles aprendem faz parte de um todo, um conhecimento único”. 

Como exemplo, cita o itinerário “Água, solvente universal”, no qual apresenta esse elemento como um composto físico, químico e biológico. “Eu frisei para eles que, quando falamos de água, falamos desse todo. Eles ainda não conseguem ter essa visão, talvez por uma deficiência da educação que, por muitos anos, focou em disciplinas isoladas. Busco sempre oferecer essa visão ampla e estou vendo um avanço dos meus alunos”, afirma.

Ela também observa esse aspecto no outro itinerário em que leciona, nomeado “Meu papel no desenvolvimento sustentável”, que tem como proposta final a criação de um vídeo em formato stop motion a partir dos conceitos aprendidos. Neste semestre, a docente contou com o conhecimento dos próprios alunos sobre edição de vídeo e criação de personagens feitos com massa de modelar. “Fazer com que eles desenvolvam esse protagonismo é uma visão tanto da escola em tempo integral quanto do Novo Ensino Médio”, ressalta.

Esse protagonismo é, em sua visão, o principal ponto positivo da nova proposta para o segmento. “Há momentos em que o ensino tradicional precisa existir, mas dar protagonismo é mágico, ver que os alunos sentem prazer em colocar a mão na massa nas atividades”. Contudo, a professora afirma que isso não acontece com imediatismo, mas sim a partir de uma construção coletiva. “O que falta melhorar, especialmente para nós professores, é o avanço dessa interdisciplinaridade, fazer o aluno avançar com qualidade e observar que a construção do conhecimento é deles, não nossa. O conteúdo tem que fazer sentido para eles para ser uma experiência válida”, completa.

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Principais desafios da implementação

Para William José Silva, professor de Educação Física da Escola Estadual Romeu de Moraes, no distrito da Lapa, na capital paulista, colocar os princípios do Novo Ensino Médio em prática quando a escola ainda não tem infraestrutura adequada aumenta os desafios e dificulta a compreensão da mudança, tanto para professores quanto alunos.

Novo Ensino Médio em São PauloCom dois itinerários formativos da área de Linguagens acrescentados em sua carga de trabalho, chamados de “Se liga na Mídia” e “Start! A hora do desafio”, ele precisou adequar as propostas da rede para a realidade da sua escola, que diferentemente do relato anterior, não conta com laboratórios ou internet acessível para os alunos. “Criamos uma série de expectativas do que seria esse processo. Em alguns aspectos, conseguimos colocar em prática, mas não na totalidade dos projetos, especialmente no aspecto da interdisciplinaridade, que precisa ser ampliada”, explica.

Por conta disso e da falta de informações sobre os itinerários no ano anterior para que alunos e professores pudessem se organizar, o primeiro bimestre de 2022 foi uma fase de assimilação das propostas. “O documento para a escolha dos percursos foi disponibilizado no final do ano letivo e com poucos detalhes. Por estarem ainda em formato semipresencial, muitos alunos fizeram a opção sem saber se a proposta dialogava com seu projeto de vida. No decorrer das aulas deste ano nos adaptamos para que eles tivessem um maior interesse. Mas conquistá-los nesse primeiro momento foi bem difícil”, aponta.

Com a dificuldade de espaço físico, a escola precisou atrelar a escolha dos itinerários e das aulas eletivas à montagem das turmas. Desse modo, os alunos de uma mesma turma fazem o mesmo itinerário, sem a possibilidade de integração com alunos de outras salas. As aulas desse bloco ficam dentro da grade semanal, não havendo um dia ou horário especial para que eles aconteçam coletivamente. “Além disso, não houve um direcionamento para a adaptação das aulas a outras realidades. Nossa escola não tem condições e ferramentas. Sem computadores e internet, por exemplo, a proposta é que o aluno use o próprio celular, mas nem sempre ele quer utilizar o seu equipamento para a atividade, seja criar uma tv online para expor seus trabalhos ou fazer uma produção na plataforma virtual de design”, destaca, e explica que a maioria não utiliza por falta de pacote de dados de internet ou de espaço no aparelho.

A expectativa do educador é que no próximo semestre a escola tenha melhores condições de adaptar o espaço e a grade de aulas para responder às demandas dos alunos, otimização que poderá chegar com o término da reforma no espaço físico da instituição. “No primeiro bimestre, ainda havia uma percepção muito crua do Novo Ensino Médio. Mas no segundo bimestre os alunos já entendiam melhor a diferença dos componentes e itinerários. Acredito que toda rede tenha passado por isso”.

Mesmo com os desafios, o professor identifica pontos positivos dessa jornada. Dentro do itinerário “Start! A hora do desafio”, por exemplo, os alunos estão finalizando o semestre com a produção de um jogo de RPG com tabuleiro de mesa que será apresentado de forma coletiva para a escola. Já no itinerário “Se Liga na Mídia”, mesmo com a falta de internet, a turma conseguiu fazer uma proposta de criação de reportagens.

Para o próximo ano, William já vislumbra uma possibilidade de melhoria na compreensão das mudanças. “Este ano, conseguimos esclarecer aos alunos, durante as aulas de projeto de vida, como se dará a próxima escolha dos itinerários, tirar dúvidas e ler ementas para que não sofram de falta de informação”, explica. Além disso, vê como caminho a chance de aprimorar o que foi produtivo neste primeiro semestre. “O que não foi, vamos tentar realinhar, corrigir e aparar as arestas. Não é o cenário ideal, mas já temos a experiência do primeiro semestre”, conclui.

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