Segundo pesquisa sobre coerência educacional realizada com iniciativa do Movimento pela Base e da Fundação Lemann, cerca de  90% dos professores afirmam que a pandemia exerceu impacto negativo no seu trabalho com o novo currículo em sala de aula. Para minimizar esses prejuízos, as ações de formação continuada ganham ainda mais relevância.

Um dos papéis da formação, especialmente no retorno às atividades presenciais em 2022, é apoiar as escolas a fazer com que as orientações dos currículos alinhados à Base Nacional Comum Curricular (BNCC) transformem-se em prática pedagógica. Ao mesmo tempo, a formação dos profissionais precisa oferecer caminhos para minimizar a alta defasagem nas aprendizagens observadas em todo o país, tanto na Educação Infantil quanto no Ensino Fundamental.

Nesse cenário, iniciativas vêm sendo traçadas em diferentes redes de ensino para ajudar professores e gestores a rever seus planejamentos e práticas. Para exemplificar algumas dessas ações, selecionamos três redes municipais de ensino de diferentes regiões do país: Goiânia (GO), Araguaína (TO) e Almirante Tamandaré (PR), que contam com representantes do grupo de Embaixadores da BNCC, iniciativa organizada pelo Movimento pela Base. Confira!

Formação em Goiânia, em Goiás, com foco na alfabetização

Como parte de uma série de práticas de revisão e planejamento para a implementação dos conteúdos curriculares, a rede de ensino de Goiânia (GO) traçou uma ação formativa voltada para a recomposição de aprendizagens em alfabetização. O programa é oferecido desde abril de 2022 a professores da Educação Infantil (4 e 5 anos) e dos três primeiros anos do Ensino Fundamental.

Maria Rita de Paula Ribeiro, gerente da Educação Infantil da Secretaria Municipal de Educação de Goiânia e participante do Grupo de Embaixadores da BNCC, explica que a formação faz parte de um conjunto de estratégias da rede para suprir as perdas dos últimos dois anos, especialmente em relação à alfabetização, e oportunizar práticas sociais para que as crianças tenham acesso aos bens culturais relacionados à oralidade, leitura e escrita (na foto no alto da página, o primeiro encontro presencial de professores da ação formativa Oralidade, Leitura e Escrita na Educação Infantil, em Goiânia).

“A pandemia trouxe um prejuízo muito grande e que as medidas não vão resolver de forma imediata. Nós precisamos pensar em ações a curto, médio e longo prazo para conseguirmos, ao longo dessa trajetória, promover a recuperação, recomposição e aprofundamento desses conhecimentos”, pontua a gerente. 

A rede oferece atualmente o Programa Alfabetização em Foco, que inclui três blocos formativos, sendo “Oralidade, Leitura e Escrita” para a Educação Infantil e outros dois blocos de alfabetização para o Ensino Fundamental. Ao todo, são 60 horas de formação, sendo 32 horas em encontros presenciais que possibilitam aos professores discutir suas práticas considerando os desafios apresentados desde o início do ano, quando todos os alunos retornaram às aulas presenciais.

“Nos encontros, os professores conhecem referências e trocam experiências sobre como fazer a recomposição de aprendizagem, como pensar as dificuldades e os desafios dos professores com crianças que estão em processos diferentes de aprendizagem, e quais as possibilidades de pensar a ação educativa”, detalha Maria Rita. Ao longo do ano, as ações vão chegar a cerca de 2.000 educadores.

Para professores da Educação Infantil, a ação será focada em ações de incentivo à oralidade, escrita e leitura. Já no Ensino Fundamental, os professores vão se aprofundar no processo de alfabetização e na recomposição das aprendizagens.

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De acordo com a gerente, o formato das ações precisou ser redesenhado em relação aos anos anteriores, atendendo não apenas aos conteúdos da implementação do currículo considerando a BNCC, mas também considerando o prejuízo da pandemia. “Essa formação não foi pensada para ser conteudista. Ela tem uma fundamentação teórica, mas avança na perspectiva do diálogo ao pensar possibilidades junto com os professores, porque eles devem ser parte do processo”, explica.

Maria Rita diz que não é suficiente oferecer material teórico e orientar que os professores encontrem estratégias sozinhos. “Tentamos trazer algumas possibilidades para eles pensarem e refletirem, fomentando um planejamento com mais elementos para que o professor auxilie as crianças a adquirir conhecimentos essenciais em sua trajetória educativa”. A rede convida diretores para reuniões na secretaria para atualizá-los sobre a ação formativa dos professores e a importância dessa participação. 

Dentre os conhecimentos citados, estão a capacidade de reconhecer diferentes portadores de texto, a expansão da oralidade prejudicada pelo isolamento social e o reconhecimento da escrita como meio de comunicação em diferentes contextos sociais.

“Concluímos os documentos curriculares em 2020, mas ainda hoje identificamos profissionais que não os conhecem. Também entraram professores novos na rede e ainda faltam elementos que deem subsídio para eles nessa compreensão. Esse também é um dos desafios para a formação”.

E a professora, o que diz?

“Considero a formação do curso Alfabetização em Foco importante para ampliarmos os conhecimentos específicos da Educação Infantil, o que me permitirá um novo olhar e novas possibilidades em planejar, atendendo aos anseios das crianças quanto ao desenvolvimento da sua oralidade, leitura e escrita ainda na primeira infância. Isso inclui ouvir seus desejos em compreender e ressignificar o mundo letrado em que estão inseridas.” – Francinelly Montalvão, professora da Educação Infantil nos agrupamentos de crianças de 4 anos em Goiânia.

Araguaína, no Tocantins, e a reorganização da formação continuada na Educação Infantil

Para a rede de Araguaína (TO), a retomada do ano letivo presencial em 2022 também foi o momento de readequação da formação continuada, dando atenção às demandas identificadas junto às unidades de ensino.

Para fazer essa ponte com as unidades escolares, a Diretoria de Educação Infantil e a Diretoria de Formação atuam em parceria. “Muitas vezes escolhemos as temáticas de estudo a partir das visitas de supervisão nas unidades escolares. Estamos o tempo todo dentro das escolas, dialogando com os professores, coordenadores e gestores, observando os espaços físicos, as construções das crianças e como é o vínculo da instituição com a família, isto aproxima a escola da formação continuada”, conta Lucileda Sobrinho Vieira, supervisora e orientadora educacional da Educação Infantil na Secretaria de Educação de Araguaína e integrante do grupo de Embaixadores da BNCC.

A secretaria realiza formações de grupos maiores em encontros online, e privilegia grupos menores para momentos presenciais, focados em cada faixa etária da Educação Infantil (a foto abaixo ilustra momentos de discussões coletivas sobre a importância de potencializar as experiências das crianças associadas ao contexto em que estão inseridas). 

Pessoas sentadas ao redor de uma mesa Descrição gerada automaticamente

Dentre as atividades previstas para o ano, está o Fórum Permanente de Educação Infantil do Tocantins (FEITO), que acontece em agosto. O Fórum é um dos eventos formativos mais esperados pelas cidades vizinhas e marca o início da formação do segundo semestre. Lucileda, ressalta que as temáticas do evento são definidas a partir do diálogo entre os diferentes setores da secretaria e nas escutas com instituições de ensino, o que permite mais oportunidades de prática. “O processo de escuta tem sido fundamental para que a formação atenda à recomposição das aprendizagens nessa etapa”.

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Em paralelo, Araguaína participa de encontros estaduais em parceria com a UNDIME, discutem temáticas e realizam formações sobre demandas reais das mais de trinta unidades escolares que atendem a Educação Infantil.

A Secretaria de Educação também realiza encontros de coordenadores para a readequação do Referencial Curricular da rede.  “Organizamos os coordenadores pedagógicos em núcleos, sendo que em cada núcleo foi definido dois representantes (oficial e suplente) os quais dialogam com as instituições e compartilham com a Diretoria de Educação Infantil, o que observam de desafios, melhorias e contribuições na construção do referencial como parte da formação continuada”, explica a supervisora. E completa: “A pandemia nos ensinou a escutar, diagnosticar, sondar, e nos preparou para ouvir mais os professores. Na formação continuada, um dos desafios é levar algo que de fato vai contribuir para minimizar os prejuízos de aprendizagem. Como formação, entendemos que não é possível dar continuidade ao planejamento sem fazer a escuta e o diagnóstico sobre os saberes das crianças. Não se pode cumprir o currículo quando o diagnóstico aponta defasagens de um a dois anos. É essencial, de fato, observar a criança e repensar as práticas, buscar estratégias e fortalecer o trabalho em conjunto”.

E a professora, o que diz?

“As formações oferecidas pela SEMED têm nos enriquecido pelos conteúdos inovadores e compartilhamento de experiências. O tema ‘Como dar visibilidade às experiências das crianças’ abriu os nossos olhos para as diversas possibilidades de aprendizado. A partir dos registros podemos ter uma visão melhor de como a criança aprende de forma constante e assim fazermos as intervenções a partir de seu interesse e das habilidades que ela já apresenta. Os registros permitem ver e rever as possibilidades de intervenção e de uma avaliação do nosso próprio trabalho. Um exemplo foi quando levei meu aluno do berçário para ver as flores do pátio e pude perceber, através do registro, como ele observou as cores, o formato das flores, o movimento das flores caindo etc. A partir disso, foram surgindo outras propostas, como a exposição de flores e até uma atividade realizada para o dia das mães.” – Luciana Ferreira, professora no CEI Boanice Botelho Kalil.

Atenção à formação de coordenadores em Almirante Tamandaré, no Paraná

Como parte de sua política de formação continuada, a rede de ensino de Almirante Tamandaré (PR) deu início em 2022 a uma série de formações, que contempla, dentre outras ações, encontros quinzenais dedicados aos diretores e coordenadores.

Segundo Vera Von Kriger, diretora do Departamento de Gestão do Currículo na Secretaria Municipal e participante do grupo de Embaixadores da BNCC, os encontros têm temáticas voltadas à implementação das propostas curriculares na perspectiva da educação integral e dos diálogos com as especificidades dos territórios. “Abordamos também a organização do trabalho pedagógico, temas referentes à legislação, direitos e à gestão democrática, a participação da família, do Estado, da sociedade e dos colegiados, e o acompanhamento das aprendizagens dos estudantes” (na imagem abaixo, oficina sobre o Componente Curricular Arte, realizada com coordenadores pedagógicos e professores. Após a oficina, os participantes planejaram coletivamente e multiplicaram as aprendizagens com seus pares nas unidades educacionais).

Pessoas sentadas em uma sala Descrição gerada automaticamente com confiança baixa

Além dos encontros, a rede organiza grupos de estudos que se reúnem mensalmente para debater os temas propostos nos 14 cadernos que compõem seu currículo e que perpassam os conteúdos essenciais da BNCC. Para 2022, os encontros vão abordar assuntos como “educação integral no e com o território”, “gestão do ensino e aprendizagem” e “espaços, circuitos e tempos de aprendizagem”. 

“Entendemos que esses momentos têm que ser construídos com a gestão escolar, e não é só um momento de repasse de informações. São momentos interativos”, afirma. 

Ao todo, os encontros e os grupos de estudo oferecem uma carga horária que varia de 50 a 70 horas, com mais tempo para coordenadores e diretores que irão atuar como multiplicadoras nos territórios, espaços sociais nos quais as escolas são organizadas e que vão além da divisão geográfica. Fica a cargo dessas duplas planejar encontros de formação nas escolas, com base nos cadernos que integram a proposta curricular da rede municipal.

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Ainda observando as correções das defasagens dos estudantes, os coordenadores participam do Programa Municipal de Ação e Fortalecimento das Aprendizagens (PMAFA). “Atualmente, são encontros mensais entre os coordenadores e os assessores pedagógicos da secretaria, sendo um assessor para cada território. Em um segundo momento, estão previstos encontros nos quais participarão também os professores para debater a gestão do ensino e das aprendizagens”.

Em 2021, o tema do PMAFA foi planejamento coletivo. Em 2022, a rede optou por trabalhar as demandas que estão surgindo nas unidades com a implementação dos currículos. “Nos encontros são discutidos os desafios da gestão escolar nesse retorno presencial e também a assimilação da mudança curricular, considerando que o currículo de Almirante Tamandaré inclui não apenas as aprendizagens da BNCC, mas outros temas relevantes para os territórios”, detalha Vera.

As escolas têm ainda uma assessoria pedagógica, que atua para levar suas demandas aos departamentos da secretaria e que, por sua vez, servem para compor o calendário anual de formação. “Sabemos que ficou uma lacuna na aprendizagem dos estudantes e foi necessário refazer a priorização curricular e a recomposição. Ainda estamos nesse processo e abordando o tema em nossas formações”, completa.

E a professora, o que diz?

“Quando temos a oportunidade de participar dos encontros de aprendizagem contínua, compreendemos formas diferentes e dinâmicas que nos auxiliam na construção e consolidação do conhecimento dos nossos educandos, privilegiando o protagonismo de cada um, como preconiza nosso currículo, que respeita a integralidade de nossos educandos e os saberes que advém de seus territórios. Poucos municípios confiam a responsabilidade de multiplicação de tais saberes pelos próprios pares, coordenadores pedagógicos e professores da rede. Assim, compreendemos que o currículo é posto em prática: todos aprendem, e, portanto, todos têm potencial para ensinar. Confiar a tarefa de multiplicar conhecimento aos pares no território é valorizar o profissional, que se sente protagonista, também, da aprendizagem do nosso município como um todo, pois ninguém melhor que nossos pares para conhecer nossa realidade e provocar para que todos acreditem e se comprometam para fazer o currículo ser colocado em prática. Tenho muito orgulho em fazer parte dessa rede de ensino.” – Marcella Alesse, coordenadora pedagógica da Unidade Educacional Vicente Kochany.

Conheça os Embaixadores da BNCC

Como citamos no início deste texto, Maria Rita, Lucileda e Vera fazem parte do grupo de Embaixadores da BNCC (conheça os integrantes de 2021), formado por representantes de secretarias municipais e estaduais de diferentes estados, de todas as regiões do Brasil e que tem experiência e comprometimento com a implementação dos currículos alinhados à BNCC. 

A iniciativa, apoiada pelo Movimento pela Base, tem dois objetivos principais: 

  • Valorizar o trabalho realizado por técnicos de secretarias municipais e estaduais de educação relacionado à implementação da BNCC e dos currículos, dando visibilidade às boas práticas de gestão;
  • Proporcionar a formação aos profissionais, oferecendo palestras, e momento para troca de experiências para aprofundamento dos conhecimentos.

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